Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Poemas-Estórias, de Maura de Senna Pereira

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Edição de base:

Poesia reunida e outros textos. Org. de Lauro Junkes.

Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2004.

Eu fui o semeador

que não voltou para colher

Almeida Cousin

ÍNDICE

A moça que fugiu num barco

O canto

O círculo da flor

Clamor da terra inundada

Cassandra

Fragmentos de autobiografia

Do perigo de as estrelas se aproximarem

A árvore que é gente

Retrato de Julieta

Saga de uma heroína

Teresa dos olhos de gata

Algumas opiniões sobre Poemas-Estórias

 

A moça que fugiu num barco

A Guilherme Figueiredo

Tia Flor fugiu num barco

(ela gosta de contar)

num barco que encheu de flores

quem a ia deflorar

Pai altivo disse não

ao rapaz que ela amava:

era pescador era pobre

a mão de Flor não lhe dava

Então combinaram a fuga:

ela botou o vestido branco

ele encheu o barco de flores

para sua Flor alegrar

Tia Flor não teve medo?

Medo de que, minha filha?

Que ele depois não casasse

como tantos outros fazem?

Ela riu. Nem em tal pensara

e medo só mesmo teve

de que alguém interceptasse

aquela fuga pelo rio

O barco era um colchão de flores

Flor deitada sobre elas

ele remando apaixonado

ai! e se o barco virasse?

Ela riu de novo e contou

que a viagem fora um sonho:

a noite a lua a aragem o rio

tudo parecia ajudar

e salvos chegaram à praia

e se amaram ao luar

Tia Flor não teve medo

da primeira noite assim?

Medo como? te confesso:

não senti nenhum temor

Depois tivemos oito filhos

e todos eles criados

com peixe farinha e amor

 

O canto

Este canto — ou este conto

é para Lauro Junkes

Estirado na enxerga

só depois de dois dias saído da prisão

sentia enfim o primeiro alívio

graças às compressas que sua mãe com rezas

punha sobre as marcas das pancadas

enquanto com a voz estrangulada gemia:

meu filho! meu filho! Olhava-a e via

que ela perdera os poucos traços de beleza

que ainda tinha. Oh Cristo, como tudo

aquilo acontecera?

Quando o pai os abandonou ele tinha

apenas o primário e queria estudar mais

(além daquela grande paixão: o canto

— que não provinha entanto de um dom,

de uma vocação,

que era apenas uma necessidade de deleite -

e ele não tinha sequer um radiozinho:

quando era possível ouvia o do vizinho)

A realidade porém agora era ver a pobre mãe

trabalhando ainda mais na fonte e no ferro

lavando e passando

a fina roupa de sua freguesia

que ele ia entregar admirado de que

— tão franzina — ela tão bem soubesse dobrar

até as peças maiores

todas trazendo ainda o odor do sol

batendo nos varais

tão bom de aspirar como o da goma

nas barras bordadas dos lençóis

Mas eis que adolescia e o sexo rugia e ele se

masturbava e chorava

(e chorava também porque em casa o pão faltava)

e bem via que não podia mais se limitar

à entrega do trabalho pesado que sua mãe fazia

Urgia aliviar o fardo materno

e jogar-se em qualquer serviço que arranjasse

Ao iniciar aquela fase ativa

viu que trouxera para casa

um pouco de sossego e de ventura

pois nada recusava fazer:

primeiro, pelos bairros vizinhos,

apregoou "amendoim torrado torradinho"

mas logo deixou, pois não era mais um menino

Em seguida, varreu, encerou, foi servente,

ajudante de pedreiro, entregou encomendas,

vendeu bilhetes de loteria, limpou tripas,

lavou pratos — e quando elogiavam seu trabalho bem feito

pedia registro e aumento

— aí lhe apontavam a porta da rua

Numa dessas ocasiões não foi logo para casa:

sentou-se num banco para meditar na triste sorte sua

e ei-lo imaginando logo ouvir o canto

que o compensaria: canto vibrante como o de uma cotovia?

Nada! Foi despertado por uma voz ciciante e panfletária:

Irmão sem trabalho

companheiro sem pão

a vida não comporta

braços cruzados não

Não podes continuar assim

a dormir e a sonhar

num banco do jardim

Vem para a luta

irmão sem trabalho

companheiro sem pão

Foi aquele impacto — e viu à sua frente

uma mulher ainda jovem de grandes olhos verdes

que pareciam insetos vigiados,

vigiando todos os lados

Ao conhecer o drama do rapaz

disse que se chamava Huri

que ele procurasse em seu nome a papelaria tal

e talvez conseguisse algo

Deu-lhe depois um folheto

pedindo que o lesse em casa

E com os insetos verdes sempre a bailar

ela se foi dizendo que queria vê-lo

outras vezes naquele lugar

Foi o que aconteceu

e de cada vez Huri o enriqueceu

com um novo folheto:

todos continuando virgens em casa

Olhando-a um dia perturbou-se

e pegou-lhe a mão

que ela retirou ligeiro:

não, não, amigo, eu tenho companheiro

Outra vez, a moça que já conhecia

a sua paixão pelo canto

anunciou-lhe a chegada de Bela Aragão

soprano de voz famosa

que ali daria dois ou três concertos

sendo que um seria para o povo

Para o povo? Huri, diz de novo

Quer dizer: a preços populares

Ele então projetou guardar debaixo do colchão

todo e qualquer tostão que sobrasse

do arroz e do feijão

Sua vida mudou e sua mãe se alegrou

com a alegria estampada no rosto do rapaz

Ah, pensava a mãe: ele está me ajudando

a carregar os pesos da casa

mas parece tão feliz!

Ah, pensava o filho: ouvir um canto sim

mas não um canto qualquer

Ouvir um canto lindo sim

mas saído de uma garganta de mulher

Quando chegou o grande dia

foi buscar sua custosa economia

e verificou que não chegava para o ingresso

Adeus, Bela Aragão!

Vira o rosto dela nos cartazes

com aquele lábio entreaberto

como se anunciando o canto

e quão belo seria o canto de Bela!

Abatido, lembrou-se então dos folhetos

que Huri lhe dera

dizendo que eles seriam um soco

no seu desconsolo

Abriu o primeiro e depois de ler umas

vinte e tantas páginas

estava transtornado:

Então a miséria ia um dia acabar?

Haverá mesmo comida e justiça para todos? -

perguntou surpreso

Mas também ali estava escrito

que para tanto era preciso lutar

Foi o que fez: pichou paredes,

distribuiu volantes... Aí foi preso

 

O círculo da flor

A José Louzeiro

Era Carnaval

e aquele grupo alegre

voltava da praia

Seriam turistas talvez

pois a moça com flores na mão

falava alto em francês

Era de "linda feiura"

como disse de Bette Davis certa vez

Vinícius de Moraes

Vinham rindo

e ela ao ver em meus olhos

a alegria que a visão da alegria

sempre me traz

parou

chamou-me de femme internationale

e deu-me o cacho de jasmins

que arrancara no caminho

de algum jardim

Nada mais natural. Agradeci sorrindo

Merci. Era Carnaval!

Sem emoção? oh não! Para mim

foi assim como um encontro do gênero humano

em simpatia e paz

foi ver a face amiga da irmã nascida

em outro hemisfério

como quisera ver sempre o Outro

o rosto do semelhante cada dia

De volta para casa

eu ia pelo teu braço

sentindo na outra mão

um feixe de sonhos

Mas sonho é flor? Flor é sonho?

Ou símbolo, dádiva, gesto

de amor?

Sim? Não? Aí chegamos ao portão

e já outro grupo alegre

também vinha da praia

na manhã do Leblon

mas nenhuma daquelas moças

trazia flor na mão

Cheguei-me então

à que vinha na frente

e dei-lhe o cacho de flor

Viva o Carnaval! disseram em coro

as vozes juvenis

E viva também o Amor! eu disse

(fraterna? maternal?)

Foi quando a jovem

a quem eu dera os jasmins

— trazendo duas auroras no rosto —

se aproximou de mim

e como uma irmã (ou filha?)

sim, como uma filha me beijou

 

Clamor da terra inundada

Eu sou a mulher plantada

na terra que era um celeiro

que a si mesma se bastava

e ainda seus belos frutos

lá por fora derramava

Hoje sou planta sofrida

que a terra está inundada

Parecendo maldição bíblica

águas diluvianas caem na terra inocente

e grandes rios crescem

(são colinas? são montanhas?)

e transbordam

inundando também as glebas vizinhas

por outras chuvas atormentadas

Ai! tornou-se uma tragédia o cone sul do País!

Ai! quem pode dizer de tal tormento? quem o diz?

Eu sinto que meus pés são raízes

moles e fugidias e que as águas

já me ultrapassam a cintura

e que meus peitos magros submergem

E sei que há milhares de meninos sem leite e sem leito

e sei que há milhares de seres com fome sede

e frio. E sem morada

Em breve as águas chegarão à minha boca

e eu não poderei sequer chorar

chegarão aos meus cabelos

e eles se confundirão com os mortos e os destroços

Eu sou a terra inundada

Ah se houvesse um anjo que costurasse

lá em cima as nuvens prestes a cair

e para o norte depois as levasse

e lá desatasse os pontos

e sobre as terras secas o inverno chegasse!

E livres das chuvas

que foram matar a sede de outros seres

nossas terras voltassem ao que eram antes!

Eu sou a planta que apesar de tudo ainda sonha:

esse anjo não existe

Mas existem outros: vós, irmãos, conterrâneos e

de todo o País

dando de vossas sobras ou partindo ao meio o vosso pão

e até presos se privando de uma refeição

para ajudar — num gesto raro

de fraternidade humana

estais tentando salvar os flagelados:

pássaros trazem a cada hora vossas dádivas

socorros estão vindo de todos os lados

As águas não chegaram ainda aos lábios meus

e eu ainda posso agradecer

vosso amor que não cessa de chegar

e ainda posso clamar contra as chuvas

que não cessam de descer

Mandai pois alimentos ainda, água

para beber, velas para alumiar,

remédios para proteger, roupas

para cobrir e agasalhar

pois inaudito é o vosso movimento w

que parece ouvir uma só voz:

a do vosso amor por nós

Rio de Janeiro, 12 de julho de 1983

 

Cassandra

Para Yvette Braga

que pena esta pletora de vida um dia acabar!

que pena esta máquina até há pouco perfeita ter de parar

e deixar de bater meu coração inflamado!

que pena extinguir-se o pensamento no cérebro parado

e extinguir-se meu anelo de que as gentes todas se unissem

ao ponto de a dor de um — todos também sentissem!

— Maura, tão lancetada que és,

como podes ainda asilar a utopia?

não vês que há lutas sangrentas

em tantos pontos da Terra

e a ameaça de uma total

e exterminadora guerra?

ai que pena a terra azul de Yuri Gagarin

poder tornar-se — que pena — uma flor escarlate!

— ou um mundo de sobreviventes deformados

(da ficção sombria de Aldous Huxley)

ou, pior ainda, um planeta vazio

e mais vermelho que Marte?

não! não! não haverá a trágica extinção!

a evolução das espécies não chegou ao Homem

para que o liquidassem monstros

— monstros da espécie humana

frisa bem com seus

artefatos superinfernais

dos quais os que forjaram

os holocaustos

de Hiroxima e Nagasaki

seriam apenas cartões postais

quem sou eu, em verdade, para fazer vaticínios?

mas até parece que desde a nidação eu ouço os hinos

da vitória dos povos sobre a opressão

— e em teus vaticínios não ouves

as bombas os mísseis

as explosões atômicas

a desintegração nuclear?

não, só ouço os hinos...

ah e se antes de tudo isso —

quando a máquina que eu sou parar

ficasse ao menos um eco do meu sonho de paz

na memória dos caminhos?

— Maura, teu egocentrismo ingênuo

é ainda utopia:

de ti nada vai sobrar

e quando a máquina que tu és parar

a tua cantiga acabou

acabou a tua história

mas a esperança não acabará

e os hinos que eu escuto

vibram como os sinos da fraterna

humanidade que virá

NOTA: Até aqui, como consta em Busco a Palavra.

O livro Poemas-Estórias compreende, porém, mais os poemas que seguem.

 

Fragmentos de Autobiografia

Nascida em Santa Catarina

nela estou plantada

e tenho ainda a glória

de amar e ser amada

Por aquele a quem amo mais que a vida

Pais extremos mas infância triste

com irmãozinhos mortos

e a velha Bíblia em riste

Aprendi a ler quase brincando

e logo entrei num concurso infantil

de versículos de cor:

disse-os tantos que me mandaram parar

e deram-me, os pastores, o primeiro lugar

Prêmio maior e primeira decepção:

outra Bíblia preta com a mesma história

do povo hebreu e seu Deus dos Exércitos

onde havia, é certo, a Poesia (que ninguém mata)

e a grandiosa figura do Cristo

mas a este eles o mataram. Por isto

nunca mais eu lutei por prêmio algum

Pão farto só tivemos até que cedo Pai morreu

Outros golpes vieram — e ao luto

a luta brava sucedeu

Oh por que foi meu tio Júlio Régis

publicar meus textos matinais

depois de lê-los no inflamado tom

que os embelezava?

e por que aqueles varões ilustres

alguns dos quais meus mestres

pouco tempo antes

encontraram "valia" em meus escritos

e me fizeram entrar na Academia?

Deram-me como patrono um sábio homem:

Roberto von Trompowsky, marechal

(por que não um poeta pobre?

ou um esquecido mestre?)

Mas — embora distante do seu perfil e renome —

cumpri o dever de fazer-lhe o elogio

na noite da posse

a mais bela

da minha juventude:

quando entrei no Palácio da Assembleia

bandas de música me saudaram

chuvas de pétalas me festejaram

e uma enorme assistência me ovacionou

quando cheguei à poltrona para mim marcada

de rosas em botão

e quando terminei minha oração

Quanto ao discurso de José Arthur Boiteux

que fora amigo de meu amado Pai

e que a mim — como tantos dos seus pares —

me superestimava

seu discurso foi uma louvação

Dirão que tive a estreia acolhida com flores

Sim, mas com pedras também

... e a pedra fere, machuca

mas pode fazer emergir

o chão áspero da luta

A primeira chegou na manhã daquele dia

em repelente carta anônima

na qual se dizia

que eu não devia ir à festa

para não ser humilhada

pois gente indignada com o meu sucesso

ia tumultuá-la no momento certo

denunciando minha vida desregrada

Ardi de ódio e dor

ante aquele processo vil (e vão)

de me intimidar

mas logo reagi

Ninguém saber em casa

era o primeiro passo

pois minha Mãe querida

formosa e austera

não me deixaria sair

e eu precisava ir!

Eu precisava ir!

Aquela súbita ansiedade contrastava

com a demora em marcar o dia

de levar, como dizia Boiteux,

"sangue novo à Academia"

(Um de meus irmãos lembrou

e eu murmurei:

meu sangue hoje é velho)

Interpretaram talvez como

em sendo acadêmico

envelhecia — o que não é vero

A verdade é que eu lembrava alguém

que não conhecera:

meu bisavô maragato

escondido no mato do Alto Biguaçu

cerca de um mês dentro de um buraco

mas a quem o vitorioso tirano não pegou

E o sangue não derramado em Anhatomirim

ferveu naquela manhã dentro de mim

Ah que as horas voassem a noite

descesse o carro chegasse

para me levar e meus gratuitos

inimigos vissem na minha simples

presença o meu desafio

O que eu não sabia (mas previa)

é que estariam calados sempre

e derrotados sentiriam que

a mão que me atirou a pedra

foi quem a pedra feriu

 

Do perigo de as estrelas se aproximarem

No ônibus noturno em viagem para o sul

nossos leitos estendidos

dormiste logo como sempre e até ressonas

e eu adivinho que teria nova noite insone

Contudo tento fechar os olhos

não esperando adormecer

mas precisando relaxar

De repente lembro:

não estão assaltando os ônibus?

Logo me soergo: tudo é penumbra

e todos parecem dormir

É quando vejo na ala de um leito só,

bem à nossa frente

aquele homem com os joelhos para cima

Estranho: por que não estendido?

seria algum gigante?

Ai! e se de arma escondida fosse um assaltante?

Para mais me gelar observo-o acordado

a me olhar

Melhor mesmo não tentar dormir mas vigiar

Não, melhor é me encher de coragem e falar:

Estenda por favor as pernas e trate de

dormir com os demais

Ele se estendeu no leito (esconderia a arma?)

e tapou a cabeça

Depois adverti:

Se você se mexer eu dou um grito

Em breve o ouvi ressonar

Bem — pensei — agora não posso mesmo

adormecer

pois ele pode estar a fingir

Por um bom tempo não desfitei o vulto deitado

até que certa de que ele caíra mesmo no sono

afastei as cortinas e espiei lá fora para me

descontrair

e o que vejo? Bem à minha frente

o Cruzeiro, as duas do Centauro, todas enormes

e outras estrelas grandes como balões dourados

— mas perto, perto, era só estender o braço

e tocar. Resolvi então: vou pegar a Alfa do

Centauro

e, abrindo a vidraça, pus a mão para fora

e toquei-a:

a estrela estava mesmo ao lado da janela

— Olha ela de arma de fogo — gritou

o suposto ladrão que eu julgara adormecido

Foi um alarido: todos acordaram, as luzes

se acenderam, o homem me acusou, eu

acusei o homem de ter uma granada,

fomos ambos revistados

e como não encontrassem nada

voltaram a dormir

praguejando alto

maldizendo a gente:

que homem chato e que mulher danada!

Só não se manifestaram:

tu, que continuaste no teu sono

e o motorista, que continuou na sua marcha

Pela manhã, a saída: estava-se em Curitiba

Achando tudo tão normal eu te perguntei se

não houvera à noite um clarão um conflito

um pega-ladrão

Não houve nada não

Perguntei depois ao motorista: resposta igual

Interpelei-o então:

e aquele rapaz, que dormiu ali — e apontei o local

Rapaz? Era um velho que acaba de saltar

Então fora tudo um sonho? Que bom!

Meus nervos não se gastaram numa briga

eu não gastei meus quatro anos-luz

e a Próxima veio a mim sem sair do lugar

 

A árvore que é gente

Figueira da Praça, qual é a tua idade?

Parece ironia assim interrogar-te

se tal não pergunto às outras beldades

que tem a Ilha no primeiro escalão

Se tal não pergunto ao Morro da Cruz

nem á Lagoa da Conceição. Nem às matas cerradas

nem às águas correndo nem às pedras roladas

— por algum cataclisma? — para ornarem

nossa orla verde-mar. Nem ao mar

aprisionado que é a Lagoa Peri

Se tal não pergunto a nenhuma praia

mesmo que seja a da Joaquina

tão longa sinuosa e fina

E se, mais me adentrando, não pergunto quando

nem em que escondidos sítios

da Ilha cobiçada por marujos europeus

— e pelos reis — e por aqueles visitada

(oh não coreis, líricas avós!)

matutas ilhoas

de vestido de chita e úmidas bocas

beijaram franceses, amaram espanhóis

Só a ti pergunto

que és toda um bosque

mas também és gente

Dizem todos que és centenária

o que torna maior a tua e a nossa glória

Não sei se algum dia deste teus frutos

(ou flores?) não sei o que sentes

Sei que dás sombra e proteção

oh árvore gigante e maternal

Sei que és bela e pura

que a tua beleza esgalhada orgulha a gente

e que ante a tua secular pureza

os que torturam o semelhante

se deviam envergonhar

Figueira, já foste árvore de Natal

Para que toda a cidade fosse um lar

e para consolar

os que em casa não têm Natal

Sob teus ramos pares namoram

homens conversam – talvez sonhem talvez protestem

mas tu abrigas segredos desde Nossa Senhora

do Desterro, Amiga

Vivo longe de ti

mas de ti estou perto sempre

dos teus braços morenos ora escorados

como os de um ser humano muito amado

e da tua copa imensa verde-negra

que a todos cobre como um dossel

morem em casebre mansão arranha-céu

ou mesmo não tenham onde morar

Figueira meu amor

Figueira da Praça

eu te sei de cor

 

Retrato de Julieta

Antes de entrar na casa

para buscar os doces encomendados

atravessei o jardim e curti

as cravinas e os cravos super-sexuados

Julieta me acolheu com um sorriso

que rejuvenescia seu rosto claro

onde se notavam os primeiros vincos outonais

e que diziam ter sido lindo

De avental de xadrez

os cabelos castanhos puxados para trás

amável sem afetação

ela me levou pelo braço

até sua cozinha ampla e limpa:

foi então que vi o maior fogão a lenha

de toda a minha vida

Pelo janelão aberto vi um mar

de clorofila e vitaminas:

era o seu pomar

E sobre a grande mesa de madeira

redonda e rústica

— quase posta para o jantar

que o marido e os filhos não tardariam a chegar —

a bandeja com os meus doces

artisticamente dispostos

e destinados à boníssima anfitriã

que dera férias ecológicas

à professorinha que então eu era

e que ia embora amanhã

Doces divinos! Ela os fazia para os grandes

eventos, para os grandes momentos

como a doceira renomada

de largo trecho do litoral sulino

Além de maga do forno e do fogão

da faina diária com a casa

as flores e as frutas as aves e os homens

ainda tinha Julieta o seu tear

Já me levantava para sair

mas ela quis que antes de me ir

saboreasse seu licor de butiá

Eu olhava seus gestos delicados

(será que alguém passou por aqui

ensinando belas maneiras?)

o modo de pegar a garrafa

de encher os cálices

(e via que a garrafa devia conter

o sumo de todo um cacho

das tentadoras e pequenas frutas amarelas)

eu olhava aquela artesã da minha casa

e concluía: eis uma grande senhora

Para mais me fascinar

ela diz que sendo aquela a primeira encomenda

(sua amiga e minha prima Dora

fora a intermediária) tinha uma lembrança

para me dar antes de eu ir embora

E me vi diante de uma cestinha cheia

de miúdos doces com alças atadas em

laços de fita e a obra de arte revestida

de papel de seda recitado como renda

Mas eu nem pude agradecer a oferta da prenda

pois naquele mesmo momento

três homens grandalhões

entraram com barulho na cozinha

e largaram as enxadas perto do fogão

Feita a apresentação

percebi algo como um tríplice grunhido

e pensei:

não parecem maus

parecem irracionais

Constrangida eu disse que estava de saída

que a aranha de seu Oto me esperava

Mas Julieta fez um rápido gesto

entre brejeiro e afetuoso

pedindo para eu aguardar

É que os filhos lhe tomavam a bênção

e ela os beijou

E o marido, em tom baixo, parecia

dizer-lhe palavras ternas

e a enlaçou

De repente eles subiram muitos pontos

e o quadro ainda mais mudou

quando, ao me verem de cestinha na mão,

tentando levantar a bandeja

os dois jovens animais se arremessaram

inesperadamente desenvoltos e gentis

e a levaram para o carro

(observei que ambos tinham olhos namoradores)

e vi os olhos e os lábios de Julieta

se abrirem num sorriso feliz

 

Saga de uma heroína

A Celina é faxineira

de segunda a sexta-feira

sábado também faxina

quando dona Ana a chama

Ana lê muito até tarde

de manhã fica na cama

mas gosta de casa limpa

e manda chamar Celina

Esta pega logo o trem

traz pela mão a menina

pois precisa de dinheiro

e a dona Ana quer bem

pelo bem que ela quer

à sua filha Janaína

a quem acha mui magrinha:

faz mingau pra ela, Celina

Tem leite, açúcar, maizena

põe gema de ovo e canela

mas antes faz uma canja

com muito arroz e galinha

— Essa moça é um tesouro

diz dona Ana a dona Ina

que foi quem as apresentou

e é madrinha de Celina

— E sabe que ela cozinha

e cozinha muito bem?

Podia ter bom emprego

não fossem a casa e a menina

— Sabe você que foi ela

a que fez esta cortina

com seus babados e tudo

e a colocou na janela?

Chovem loas a Celina

que não conta com o marido:

ela é que enfrenta as despesas

com a casa e a menina

Mas quando Celina

chega da viagem e da faxina

a filha quase delira

é uma festa ver Celina

Corre para olhar na bolsa

o que a mãe trouxe para ela?

Bombons que mandou a patroa

Frutas que comprou Celina

Celina mal sabe ler

e quer que a menina estude

ela já está na escola

e tem uma moça que a cuida

e que é paga por Celina

com o dinheiro da faxina

Quando a faxina é no sábado

ela leva Janaina

Às vezes até se abre

com as patroas mais amigas

sobre a vida muito cara

sobre sua vida dura

Não deseja a mesma para

sua amada Janaina

Ana diz que isso não;

vem mundo melhor para ela

Celina então logo lembra

que Ana a acha magrinha:

"faz mingau pra ela, Celina

e faz canja, faz galinha"

Será que dona Ana

pensa que Janaina vai morrer?

Pois um mundo bom assim

pobre só tem no céu...

 

Teresa dos olhos de gata

Eu ia pelo centro da cidade

para dar uma aula

e fazer uma compra

quando, em sentido contrário,

vinham duas moças superpintadas

Uma delas me chamou a atenção

pelos seus olhos de gata

Quem é mesmo que tinha

aqueles olhos de gata, meu Deus?

Eu nunca mais a vira

nem dela soubera

mas quem tinha aqueles

olhos de gata era Teresa

Seria Teresa? Vou testar

sorrindo para ela: se ela também

sorrir — é ela. Aí vou abraçá-la

Mas ela não sorriu, fechou a cara

e num instante se distanciou de mim

Por que seria? Eu estava certa

de que era Teresa: Teresa

minha companheira de escola

sentada no mesmo banco

durante quase um ano

mas que não dava para o estudo não

De vez em quando ficava sem recreio

por chegar atrasada e não saber a lição

Eu tinha uma pena quase egoísta

porque era no recreio que a gente

podia conversar e eu podia dar-lhe

coisas de minha merenda

de que ela gostava — como aqueles

losangos de chocolate e amendoim

que Mamãe fazia como ninguém

A princípio ela não queria, mas eu

insistia: é muito, Teresa, para mim

Então comíamos e conversávamos como duas irmãs

Ela gostava de retribuir: cartuchinho

de pitangas do quintal, balas de açúcar queimado,

um pãozinho d'água torrado. Era quem

fazia a comida da casa. A avó costurava

para fora, mas estava ficando muito difícil...

Ela me contava que era órfã

criada pela avó, pobre como Jó

Morava longe, morava mal

e à noite namorava no portão

Como pois estudar a lição?

Lembro que certa vez me falou

de vultos que lhe apareciam à noite

de vozes que diziam coisas

bem perto do seu ouvido.

— Que coisas, Teresa?

— Eu não entendi bem

mas não eram coisas boas

— Olha: Papai diz que esses casos espíritas

são tentações do demônio. Toma cuidado...

— Eu seu que és menina protestante

e eu sou...

— menina católica

— não: menina tentada. Vó já disse

(E não foi a primeira vez que vi

lágrimas nos olhos de Teresa: olhos de

gata ou dois lagos de incontidas mágoas?)

— De gata?

— Sim, o bicho mais bonito

que existe é o gato

— Pode ser, mas só depois do meu namorado

Era muito branca e loura, os seios

nascentes fortes e o rosto quase triste

apesar daqueles olhos agateados em que

nadavam sonhos mistérios e pecados

Logo depois eu soube

que fora mesmo Teresa quem eu encontrara

e que ela já se destacava

entre as mulheres da vida da cidade

Portanto, era um pilar da sociedade

pois contribuía para a honra dos lares

para a manutenção da virgindade

(Estava-se ainda longe da revolução sexual)

Além disso, bem que me reconheceu

pois contou a um primo (meu)

do nosso encontro

que lhe dera uma tal saudade

dos tempos em que éramos amigas

que não se deitou com nenhum homem

naquele dia. Mas que ele me dissesse

que, de outra vez, eu fingisse que não a via

que não lhe desse sequer bom-dia

pois ela podia até ser presa

e eu "falada" sem ter culpa de nada

Presa? por quê, Teresa?

 

Algumas opiniões sobre Poemas — Estórias

Recebo com prazer “Poemas-Estórias". Li-os e reli-os com atenção, degustando toda a beleza neles manifesta. De "Cântaro de Ternura" a "Poemas-Estórias" vai uma vitoriosa caminhada. Uma sofrida caminhada. Sua inquietação me entusiasma. Seu talento, sempre renovado de livro para livro, me humilha. Seu trabalho bem construído me estimula. Sua amizade me honra. Com os parabéns do confrade e amigo.

Holdemar Menezes

"Poemas-Estórias", li-os com o mais vivo interesse, admirando neles a mensagem de seu espírito sempre atentamente voltado para os que amam e sofrem. O poema "Clamor da Terra Inundada" é, talvez, o mais belo do volume, embora belos todos o sejam, como este "A moça que fugiu num barco ", tão simples e musical, cujo tema serviu para a ilustração da capa. Poesia assim, comunicativa e densa de emoção, me comove deveras, dada satisfação com que lhe mando meus aplausos."

Elmo Elton — Vitória

A escritora e poetisa Maura de Senna Pereira acaba de publicar, pela Editora Achiamé, mais uma obra literária, intitulada "Poemas-Estórias". Catarinense de Florianópolis, Maura de Senna é uma das mais altas vozes da poesia de sua região e do país. Sua obra tem sido comentada e elogiada por escritores e críticos os mais ilustres, todos apontando nesta autora o humanismo, a capacidade de solidariedade e de construção da beleza estética, através da prosa e do verso. É a própria Maura, que nesse livro traça sua biografia literária e vivencial, quem deu o tom que existe neste livro:

"Nascida em Santa Catarina / nela estou plantada / e tenho ainda a glória / de amar e ser amada / por aquele a quem amo mais que a vida"

Para Lauro Junkes, "Maura é, sem dúvida, a mais alta voz feminina da poesia catarinense". Já escreveram sobre seu trabalho autores e críticos do porte de Antonia Hauaiss, Francisca Carvalho, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Medauar e Marcos Konder Reis.

Fran Martins, abordando um de seus trabalhas, escreveu: "Maura de Senna Pereira á considerada uma das figuras de malar destaque nas letras femininas da Brasil, sobretudo como poetisa. Agora nos dá mais uma mostra de seu talento com "Cantigas de Amiga", editado pela Achiamé, com ilustrações de Márcia Cardeal. Sua poesia clama par liberdade — liberdade de pensamento e de ação, para a carpa e para o espírito, para a palavra e para a gesto", "Verbo solta, "Cantiga de Amiga", "A dríade e os dardos" são alguns dos títulos de maior repercussão desta notável escritora catarinense.

Brasigóis Felício

Em "O Popular" — Goiânia

"Merci de tout coeur! Votre livre Poemas-Estórias, est magnifique. C'est un cadeau précieux. Votre inspiration est émouvante. Je suis fier d'être votre ami. Je vous souhaite grand sucés et vaus pésente mes meilleures amitiés."

Georges Línze-Liège

Pela Editora Achiamé, do Rio de Janeiro, Maura de Senna Pereira nas oferece este ano o seu Poemas-Estórias, que se vem somar à expressiva obra poética de uma autora que representa a voz mais farte e atuante da lírica feminina em nosso Estado. Com a naturalidade de linguagem de quem parece não pretender outra coisa senão relatar simples episódios recolhidas no cotidiano, os versos de Maura fluem exatos e contidas, num gradativo envolvimento do leitor para a sua mensagem de esperança e compreensão humana, através dos onze poemas-estórias desse livro.

Autora de abras como Círculo Sexto, País do Rosamor, A Dríade e os Dardos e Despoemas, entre outros, podem repetir-se tranqüilamente as palavras de Marcos Konder Reis a propósito de Maura: ".... a cada dia, Santa Catarina tem mais motivos de

orgulhar-se de sua Poeta".

Silveira de Souza

Em "Cobertura" — Florianópolis

Maura-flor

Maura-sanha

Maura-poema

de Santa Catarina

Maura tocando estrela

estrela tocando os braços

da velha figueira

Pés-raízes das terras e das gentes de Santa

Catarina

Maura terra inundada

de amor e de terra

Maura esperança

Maura poema de paz.

Um abraço abraçado

de um coração ainda quente

do calor-poema

de Poemas-Estórias

aqui sobre a mesa

a me dizer, a me dizer

Me lê outra vez!

Me lê um milhão de vezes.

Celestino Sachet — Florianópolis

"Maura de Senna Pereira, poeta das mais conhecidas, acaba de publicar "Poemas-Estórias" (Editora Achiamé — Rio — 1981), onde reuniu inúmeros poemas recentes. Deles emergem, em primeiro plano, as ligações da autora com sua terra natal, apesar de uma ausência prolongada, como fonte de permanente inspiração. São reminiscências pessoais e familiares, preocupação com as coisas catarinenses, evocações de lugares, situações e pessoas que marcaram sua sensibilidade e que agora se revestem em versos em que a experiência e a inspiração se unem na criação de autêntica poesia. É uma obra que vem reforçar a produção já considerável desta escritora catarinense que, embora mais conhecida como poeta, muito também tem escrito em prosa".

Enéas Athanázio    — Em "Cadernos de Blumenau"

"Santo Deus, como você é Poeta!" — admirado exclamou, certa ocasião, Guilherme Figueiredo — A beleza poética de Maura de Senna Pereira manifesta-se na forma e nas idéias. Santa Catarina se orgulha de dar berço e inspiração à sua poetisa maior.

Paschoal Apóstolo Pítsica

Do artigo "Maura de Senna Pereira, a poetisa maior do Estado", publicado em "O Estado", de Florianópolis, em 15/07/84.

"Além dos relevantes méritos da própria obra, vale destacar, Santa Catarina muito deve a Maura de Senna Pereira, nossa poetisa maior, pelo que ela representa no cenário cultural."

Deputado Estadual Marcondes Marchetti

"Porém a Maura verdadeira, a grande poeta que é, parece-me vir mais fortemente delineada em cada palavra, em cada verso, em cada situação com que compôs seus harmoniosos poemas deste livro. São partes de si mesma numa dimensão rara: a biografia de um sentimento, sendo este ao mesmo tempo uma pessoa. Estaremos sempre concordes com ela e este sonho não acabará sem que se perca o que há de humano em cada ser."

Ascendino Leite

"Admirável Maura, como constitui alto privilégio ser amigo de poetas de altíssimo gabarito. Ou, para ser mais pessoal, é uma graça do céu ser amigo da brilhante criadora de "Poemas-Estórias". Aqui em casa o dia em que chegam versos seus é feriado nacional."

Nelson Omegna

De Maura de Senna Pereira já tratei várias vezes, sempre numa louvação que aumenta a cada livro, a cada página, a cada verso que conheço dessa ilustre escritora catarinense, ora radicada no Rio de Janeiro e que Deus e o Amor uniram a outro notável poeta e prosador Almeida Cousin, o grande tradutor das "Odes" de Anacreonte.

Por isso, Maura em seu novo manifesto lírico, sob o selo das Edições Achiamé, intitulado "Poemas-Estórias", colocou no portal do volume, de menos de cem páginas, uma citação de Cousin: Eu fui o semeador que não voltou para colher.

Desta feita, ampliando sua própria visão do mundo, materializada em versos, quando não em prosa fluente nas crônicas e nos ensaios, Maura conta e retrata poeticamente certas passagens ou reminiscências, fatos e criaturas, a história se unindo ao poema e dando o seu recado. De permeio silhuetas femininas se esgarçam nos ritmos, surgem quase em carne e osso pela força descritiva, como a garota que fugiu de barco, a dona de casa Julieta, a faxineira Celina, a Teresa de olhos de gata, companheira de escola. Ah, gente, que beleza tudo isso e muito mais, como os temores pela bomba atômica ou ainda as recordações da terra natal, nos fragmentos da autobiografia. Assim pode cantar:

Nascida em Santa Catarina,

nela estou plantada

e tenho ainda a glória

de amar e ser amada

por aquele a quem

amo mais que a vida

Osvaldo Lopes de Brita, em artigo de "O Diário", de Ribeirão Preto

De Jorge Medauar:

Carta em que ele diz, com sua autoridade de prosador e poeta: "você encontrou um caminho realmente novo, contando casos poéticos e casos não-poéticos com seu viés poético de dizer ou transfigurar o banal num verdadeiro poema."

De Nereu Corrêa:

O grande e querido amigo Nereu Corrêa, que assina a supergenerosa mensagem da quarta capa, de novo repete a sua palavra de louvor: "Como me sinto feliz em agradecer um livro que me traz uma mensagem ou que, à medida que avança nas suas páginas, me vai despertando o mais vivo prazer intelectual. Foi exatamente isso o que senti: ao ler o seu belo "Poemas-Estórias", tão rico de elementos confessionais... e autobiográficos, elementos recriados pela emoção lírica, de que só são capazes os verdadeiros artistas."

De Lauro Junkes:

"Maura representa hoje e sempre a expressão mais lírica, mais sensível, mais qualificado e humana da mulher-poeta em Santa Catarina. Por isso torna-se tantas vezes autobiográfica. Os poemas desse livro, como insinua o título, tendem ao caráter narrativo, sem diminuir em nada o poético. A ausência de pontuação e de paginação parecem liberar os poemas das contingentes malhas do tempo e do espaço."

(Do artigo "A Poesia da Maturidade", publicado no jornal O Estado, de Florianópolis, pelo professor LAURO JUNKES, em que mais uma vez o grande crítico e eminente prefaciador deste volume analisou, como faz sempre, cada poema do livro).

De Marcos Konder Reis:

Suas novas composições, tão belas, tão sérias e tão comoventes, e, no entanto, donas de uma simplicidade própria das grandezas, confirmam, para mim, a justiça do que lhe fez ocupar uma posição capital na poesia do nosso Estado. Mais uma vez, fique certa, Santa Catarina está feliz e orgulhosa de sua Poeta. Como seu amigo e admirador, sinto-me gratificado. Se o Cousin foi o semeador, que não voltou para colher, sua colheita lhe está sendo colocada nas mãos, como as rosas gloriosas, numa cesta tão grande e tão bela quanto a alma dele: só os grandes semeiam e não voltam para colher.

Ave em altíssimo vôo

em altíssimo cântico poético

em altíssimas linhas das letras

de verso – vago – universo

que nos chama de pássaros

e que como pássaros nós clamamos!

Ana Cardeal – Rio

"É sempre uma alegria e um conforto para o espírito fruir sua esplêndida poesia: que poesia sempre nova, que fonte de beleza!"

Flávio José Cardozo – Florianópolis

"Poemas -Estórias"

E vamos deixar que permaneça por séculos a beleza sagrada que Maura conseguiu implantar na terra que era amarga.

J. Leite Sobrinho – Folha de Campina, Campina Grande

Entre as numerosas mensagens recebidas pela autora em virtude do seu novo livro, figuram: o cartão amigo do governador Esperidião Amin, o do escritor Guilherme Figueiredo, sugerindo que "A moça que fugiu num barco" seja posta em canção; a do escritor José Louzeiro, sugerindo que "O Círculo da Flor" seja teatralizado; a do escritor Fernando Whitaker, chamando o livro de mensagem de serena beleza; o cartão, belíssimo, de Maria Julieta Drummond de Andrade; as expressões sempre elogiosas dos amigos paulistas escritor Mário Donato e do poeta Paulo Bom fim; as palavras fraternas de Zanoto nos "Diversos Caminhos" do seu "Correio do Sul, de Varginha, afirmando que os "Poemas-Estórias "são de ímpar, enxuta beleza; os belos postais dos escritores José Afrânio Moreira Duarte, de Minas, e Theobaldo Costa Jamundá, de Florianópolis; as palavras gratificantes do poeta e magistrado Joel Rogério Furtado, de Chapecó, SC: "Encanta-me o fato de estares longe da nossa terra, mas tua persistência em cantá-la; o magnífico registro do escritor Euclídes Marques de Andrade no "Estado de Minas", em que salientou a Teresa dos olhos de gata, um postal com flores, e na estampa, da culta professora Yvette Braga; uma carta do escritor laponan Soares, da ACL, agradecendo o livro da colega e enviando recortes que tem mandado aos jornais no sentido da divulgação do mesmo; carta do escritor Fagundes de Menezes, presidente da União Brasileira de Escritores, dizendo que: "você reafirma sua sensibilidade e prossegue na sua missão de espalhar Poesia ("que ninguém mata") palmilhando sempre, altiva e galhardamente "o chão áspero da luta"; o simpático registro que no seu balanço de fim de ano Stella Leonardos fez em "Jornal de Letras" de "Poemas-Estórias" referindo-se às "pessoas simples e sofridas que o amor de Maura eterniza"; mensagem do ensaísta Pizarro Drummond, narrando a entrega do livro de Maura na FALB, Ocasião em que ele fez a leitura de vários poemas e de consagradora carta que dirigiu à autora o grande poeta Francisco Carvalho, carta de que vai reproduzido o trecho com o qual encerramos este buquê de opiniões:

"Importante observar que dos poemas-estórias em momento algum está ausente a noção de ritmo e musicalidade. No excelente poema CLAMOR DA TERRA INUNDADA, dos mais altos do livro, prevalece um sentido muito forte de musicalidade, sobretudo a partir dos sete primeiros versos, todos eles coincidentemente heptassílabas: "Eu sou a mulher plantada / na terra que era um celeiro / que a si mesma se bastava / e ainda seus belos frutos / lá por fora derramava. / Hoje sou planta sofrida / que a terra está inundada". Esse poema da terra inundada tem um encanto todo especial. E que, pelo milagre da poesia, a mulher e a terra são a mesma coisa. Uma é a metáfora da outra. E vice-versa. E Vc., com o seu talento e os seus profundos conhecimentos da carpintaria do poema, explora muito bem essas zonas de ambigüidade que flutuam entre as arcanos da terra e os mistérios da mulher."

Francisco Carvalho