Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Memórias de Gilete Barros Caldeira de Andrada. Edição do autor, s/d.

DUAS PALAVRAS

A princípio, a autora destas Memórias pretendia que o trabalho, sem cópias, corresse de mão em mão entre os descendentes. Depois, admitiu algumas xerografias. Mais tarde, o interesse despertado entre parentes e amigos, todos querendo ler o que fora contado pela Dona Gilete, convenceu a memória lista de que eram necessárias muitas cópias para satisfazer a tantos.

Diante dessa realidade, e como parte das comemorações, no dia 18 de novembro último, dos 90 anos da autora, seus filhos resolveram publicar as Memórias, aproveitando a edição para reproduzir algumas fotografias de pessoas muito queridas e mencionadas amiúde no decorrer da narração.

Abrindo a publicação, à guisa de prefácio, estão algumas considerações sobre o significado destas Memórias e apresentadas pelo Pastor da Igreja Metodista de Florianópolis – de que é membro Dona Gilete – Revo. William Schisler Filho.

Uma crônica, escrita pelo Almiro e publicada no caderno literário do "Correio do Povo", de Porto Alegre, edição de 17/11/79, vai transcrita no vestíbulo da edição, em mais uma homenagem à autora das Memórias pela passagem dos seus "primeiros 90 anos".

Antes de iniciar a leitura da narrativa de Dona Gilete, o leitor encontrará, ainda, uma preciosa e destacada apreciação sobre as Memórias, de autoria do ilustre escritor catarinense Nereu Corrêa. Esse testemunho é tão mais importante quando se sabe que o autor da carta é escritor de nomeada, crítico literário, professor, ex-Presidente da Academia Catarinense de Letras.

"A QUEM HONRA, HONRA..."

William Schisler Filho

Um dos grandes privilégios de minha vida tem sido o de conhecer a Sra. Gilete Barros Caldeira de Andrada. Tenho certeza de que o mesmo dirão todos aqueles que, de uma forma ou de outra, têm seu nome mencionado nestas memórias de uma vida que falta apenas um dízimo para chegar a 100 anos!

Havia uma faísca de faceirice nos seus olhos sorridentes quando ela colocou nas minhas mãos, com dedicatória, uma cópia inicial destas memórias, dizendo:

"O Almiro quando vinha aqui me estimulava as lembranças do passado e depois as levou para Porto Alegre, a passar a limpo. E o Fernandino lá em Curitiba conseguiu que sua secretária batesse tudo direitinho e fizesse o xerox..."

Estava eu na intimidade da casa da "Vó" Gilete no dia em que o crítico literário Nereu Corrêa a chamou de "a mais jovem escritora catarinense". Rimos todos. Mas ele foi muito feliz na expressão espirituosa. As artes hoje, cansando de tantas "escolas", acabaram descobrindo a beleza do estilo "naif" ou ingênuo. Isto é, o estilo de quem tem dom sem o saber. De quem se expressa espontaneamente, mais para seu prazer que o dos outros; até que alguém se encanta pela cristalina autenticidade e põe a boca no mundo. Foi o que Almiro, excelente literato e bom filho, conseguiu fazer. E aconteceu uma pequena explosão. As cópias iniciais das memórias não foram suficientes para quantos quiseram lê-las. Saiu mais outra edição, e nem esta bastou. E agora os filhos a surpreendem, publicando, na oportunidade das comemorações do seu 90º aniversário, um número de exemplares suficientes para toda a sua numerosa descendência e outros mais.

O tempo vai mostrar a importância de ter dado maior permanência a estas memórias. Pois é um depoimento valioso, que toca pessoas e eventos significativos. Se o crítico de artes valoriza o artista ingênuo, o historiador busca hoje em testemunhos espontâneos como este os recursos para retratar a história que está atrás da história dos documentos oficiais. Possivelmente, "Vó" Gilete seja a primeira mulher catarinense a escrever suas memórias em idade tão provecta. E seus noventa anos cobrem um período importante na transformação da velha Desterro na moderna Florianópolis, que ela, nas descrições de fatos e costumes, revela em suas mutações.

Mas o mais importante não são as pepitas literárias ou históricas que se podem batear nestas páginas. O importante é o ouro refinado de uma vida que ali pulsa em toda a sua inabalável fé e firme coragem, e com tanto bom humor.

Só quem muito sorriu e pôde chorar sentiu a vida em toda a sua altura e profundidade. E "Vó" Gilete foi e é assim. E está nisso o poder irresistível de seu carisma, que a todos atrai.

Como cristã convicta, sua fé abençoa ''até a terceira e a quarta geração'' dos que a amam, como diz a Bíblia.

Felizes são seus filhos, e os filhos de seus filhos (e "filhos" emprestados como eu) por poderem conhecer sua mãe, avó e bisavó não só na realidade de seus 90 anos de hoje mas, através destas memórias, nos fatos todos que ajudaram a forjar esta vida singular: um coração de veludo dentro de uma vontade de aço.

O poeta Mário Quintana disse: "Infância é vida em tecnicolor; Velhice é vida em preto e branco".

Quintana enganou-se com respeito à "Vó" Gilete. Ela continua colorindo a vida. E estas páginas são o mais novo rebento verde de um velho tronco.

***

O Revo. William Schisler Filho (Dico) é o Pastor da Igreja Metodista de Florianópolis e lidera, na capital catarinense, o movimento em prol de um Centro Vivencial Para Pessoas Idosas, a ser construído no distrito de Itacorobi.

MÃE ANO 90

Almiro Caldeira

Ela está na flor da idade, em toda a beleza e poesia, em todo o mágico e real sentido da expressão; com as vantagens e sem os prejuízos dos muitos anos, seu tesouro de dias contém a moeda da saúde e os créditos do interesse pelos acontecimentos em seu redor, da participação, da presença, de modo que não se trata apenas de noventa anos de vida, mas de noventa anos cheios de vida; vida e felicidade, que esta não é privilégio dos moços, pois o tempo acumula experiência, que se faz sabedoria alargando a compreensão, apurando a sensibilidade, enriquecendo e enlevando a alma; vida e alegria, porque a bondade do coração é fonte de júbilo e quem é bom também comunga da ventura dos outros, mas principalmente porque, apesar de ter sofrido, não se fez amarga, adoçou-se na dor convertendo em bênção para todos a primavera do seu espírito; vida e amor, porque o bem semeado a mancheias é a seara em que hoje colhe as flores e os frutos da amizade, do respeito, do afeto, é lareira e abrigo; vida e doação, pois soube esquecer-se, renunciando a sua juventude no sacerdócio de mãe, ela que desde menina-moça frequentava a sociedade, que aos onze anos assinou a ata comemorativa da passagem do século no Clube Doze de Agosto; vida e trabalho, que os seus fardos sempre quis carregá-los sozinha, nunca os transferiu a outros, nem mesmo quando a viuvez cedo a sobrecarregou com a responsabilidade de educar, formar e encaminhar oito filhos, quase todos menores; vida e heroísmo, porque lutou com denodo e tenacidade, combatendo o bom combate, fortalecida na fé, sob a proteção que Jesus concede aos que, na tristeza, pressentem a manhã a despontar no fim da noite; manhã de velhice tranquila, de inverno sem a desolação da dor, das dificuldades, dos problemas de isolamento e outros que, não raro, afligem o idoso de hoje; manhã ensolarada no carinho dos filhos, das noras e genros, no sorriso dos netos e bisnetos; vida e sofrimento, sim, desde a perda do pai na infância, o jovem capitão de engenheiros, que pagou na Fortaleza de Anhantomirim o sonho de uma República mais autêntica e fiel aos generosos ideais de um Brasil-Grande; foi a primeira página escura de uma existência luminosa; outras houve, não omitidas na memória que nos escreveu, contando com verdade, pitoresco e emoção significativos trechos do caminho percorrido; caminho que se alonga ainda para a frente, em benefício dos que se lhe acercam, e que para nós representa uma compensação, talvez, pelo tempo curto em que tivemos ao lado o nosso bom pai; ou por saber Deus quanto dela ainda precisamos, mesmo agora, quando a velhice também nos vai chegando; ou por querer Deus dar-nos mais oportunidade para que façamos por ela um pouco do muito que ela fez por nós.

Florianópolis, 9 de novembro de 1979.

Prezada Sra. Gilete Barros Caldeira de Andrada,

Ao devolver as suas Memórias, escrevo-lhe estas linhas, não apenas para agradecer a deferência com que me distinguiu, incluindo-me no pequeno rol daqueles "amigos nossos muito queridos" (pois somente a estes é que seria deferida, em caráter excepcional, a leitura do livro escrito exclusivamente para a família da Autora) — mas também para dizer-lhe do prazer que a leitura dessas páginas me propiciou, não pelo que elas poderiam oferecer em termos de elaboração literária (pois não foram escritas com essa intenção), sim pela fluência da linguagem, pelo tom afetivo e íntimo, e, sobretudo, pela sinceridade repassada de emoção com que a Senhora evoca pessoas e fatos relacionados com a sua família, através de várias gerações.

Tudo isso é verdadeiramente soberbo, e uma coisa rara no Brasil, principalmente nesta época, em que a juventude só se preocupa com o presente, como se o passado não existisse. Parece até que a famosa frase de Augusto Comte, de que "os vivos são governados pelos mortos", deixou de ser uma verdade para o mundo de hoje.

Creio que a Senhora não poderia deixar um legado mais precioso para os seus descendentes do que estas Memórias, escritas única e exclusivamente com o nobre propósito de preservar a memória da sua família. É o relato minucioso e veraz de quem testemunhou e viveu todos os fatos narrados nessas páginas de profunda beleza afetiva. Um livro de recordação e de saudade...

possui!

Mais uma vez quero agradecer-lhe, pedindo a Deus para que a Senhora viva ainda muitos anos, feliz e com saúde, na doce e amorável companhia dos seus filhos, netos e bisnetos.

Nereu Corrêa

E que memória fabulosa a senhora possui!

Mais uma vez quero agradecer-lhe, pedindo a Deus para que a Senhora viva ainda muitos anos, feliz e com saúde, na doce e amorável companhia dos seus filhos, netos e bisnetos.

Nereu Corrêa

Parentes que são mencionados nestas Memórias

1. Meus pais

Romualdo de Carvalho Barros

Georgina Caldeira de Cerqueira Lima (Ginoca)

2. Meus avós

Maternos:

João José de Cerqueira Lima

Floriana Caldeira de Andrada

Paternos:

Balduíno Cândido de Barros

Maria Albina da Costa Carvalho

3. Meus bisavós

Pais de minha avó Floriana

José Bonifácio Caldeira de Andrada

Maria Amália Vieira da Rosa

Pais de minha avó Maria Albina

Adriano da Costa Carvalho

Angélica Custódia Vella Leoni

4. Meus irmãos (por parte de pai)

Dalmiro (llza)

Alamiro

5. Meu marido

Patrício Caldeira de Andrada

a) Nossos filhos:

Ezilda (João)

Dalmiro (Eglantina)

Aderbal

Helena (Ernani)

Fernandino (Lídia)

Almiro (Léa)

José (Maria de Lourdes)

Lauro (Diva)

Almira

b) Nossos netos:

Lize, Suene, Nara, Sumara, Talita e Eder (da Ezilda)

Elisete, Eliane, Evelise e Elisabete (do Dalmiro)

Helenita, Tânia, Marina e Paulo (da Helena)

Mânia, Patrício e Aderbal (do Fernandino)

Romualdo, Dayse e Fernando (do José)

Lorena, Vânia e Almiro (do Almiro)

Mauro, Arnaury, Márcio e Marise (do Lauro)

Fernando José (da Almira)

c) Nossos bisnetos:

Paulo Roberto, Lúcia Helena e Richard (da Mânia)

Luiz Celso (da Lize)

Théo e Caio (da Nara)

Adriana, Jaquelinee Renata (da Eliane)

Rodrigo, Ricardo e Marcelo (da Evelise)

Eduardo e Rodrigo (da Tânia)

Patrícia, Caroline e Fernanda (do Patrício)

Rogério (do Aderbal)

Vanessa, Alessandra e Mário Henrique (da Vânia)

Fabrício e Thatiana (da Lorena)

Alexandre e Andréa (da Sumara)

Marcelo, Fábio e Henrique (da Dayse)

José Alberto, Mariana e Eduardo (do Romualdo)

Luciano (do Fernando)

Ana Paula (do Mauro)

Andréa (do Arnaury)

d) Nossos sobrinhos:

– filhos de Dalmiro e llza: Alamiro e Marina

– filhos de Laércio e Josefina: Jócio, Eido, loná e Mairo

– filhos de Antenor e Antonieta: Fernando e Celso

– filha de (Cotinha) Maria José e Francisco de Assis Mônaco Costa: Maria da Conceição

6. Meus sogros

Fernando Gomes Caldeira de Andrada

Maria Rita Mafra Linhares (Sinhá)

7. Avós do meu marido

a) Paternos

José Bonifácio Caldeira de Andrada (primo em 6º grau colateral do Patriarca e em 5º grau colateral de Felisberto Caldeira Brant, o Marquês de Barbacena)

Maria Amália Vieira da Rosa

b) Maternos

Patrício Marques Linhares

Maria Inês Mafra

8. Irmãos do meu marido:

Maria José (Cotinha), Maria Ignês (Maroquinhas), Laércio, Antenor, Érico, Maria do Carmo (Carmozinha), Maria Amália (Mariquinha), Renato, Anibal, Fernando, Heitor e Agrícola.

9. Tios do meu marido (irmãos de sua mãe)

Elisa, Maria Inês, lldefonso, João e Lauro

10. Primos do meu marido (filhos de seu tio Lauro Linhares)

Jayme, Zulma, Carmem, Cora, João, lldefonso, Maria Inês (Nezita), Almira e Carlos.

11. Tio-avô do meu marido (irmão de sua avó materna)

Manoel da Silva Mafra (o "Conselheiro Mafra")

12. Meus tios-avós maternos (irmãos de minha avó Floriana)

Felisberto (Flenriqueta)

Fernando (1ªs. núpcias, Maria Costa; 2ªs. núpcias, Maria Rita Mafra Linhares) João Floriano (Sofia Salles)

Jacinta (Hermógenes Souto)

Adelaide (Pedro Lobo)

Luiz (Maria Cândida da Silva Ramos)

Thomaz (Francelina Martins)

José Bonifácio Maria José

Brasília, Ana, Luiz e José (faleceram pequenos)

13. Meus tios (irmãos de minha mãe)

Maria Augusta, a Miquita (Francisco Borges Conceição)

Adolfo (Gentileta Garcia)

Carolina

14. Minha tia (irmã de meu pai)

Ana de Barros Câmara, a tia Naninha, casada com Joaquim Xavier Câmara

15. Meus primos-irmãos (filhos de irmãos de minha mãe e do meu pai)

Nelson, Osny, Conchita, Walter, llka (filhos de tio Adolfo e Gentileta)

Nestor (filho de tia Miquita e Conceição)

Jaime (Cardeal), Amantino, Saul, Joaquim e Ernani (filhos de tia Naninha e Joaquim)

16. Meus primos (filhos dos irmãos de minha avó Floriana)

Maria José, a Cotinha (Francisco de Assis MâncioCosta), filha do 1º casamento de tio Fernandinho; Maria Ignês, a Maroquinhas (Manoel); Patrício (Gilete), Laércio (Josefina), Antenor (Antonieta), Érico, Maria do Carmo, a Carmozinha; Maria Amália, a Mariquinha, Renato, Anibal, Fernando, Eleitor Agrícola, filhos do 2º casamento de tio Fernandinho; Manoel, Adelaide, João, José, Gervásio, Maria, Joana, Lucinda, filhos de tio Thomaz; Adelaide e João, filhos de tio João Floriano, Fernando, o Nandinho, Luiz, Almerinda e Stella, filhos de tio Felisberto; Alcino e Cordolina, a Santinha, filhos de tio Luiz; Már Heitor, Anita, Alexina, Rogério, Nabor e Marinho, filhos de tia Adelaide; Zelia Cordolina, a Dudu e Salustiano, filhos de tia Jacinta.

"Recorda-te também de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te conduziu..."

Deut. 8:2

Aos queridos filhos, noras, genros, netos e bisnetos vou contar pedaços da minha vida. Algumas coisas vocês sabem, outras não. Vou tentar me recordar dos primeiros anos, embora um pouco vagos, pois minhas recordações alcançam por volta dos três anos.

A casa de meus pais era grande, com três janelas de frente, uma porta ao lado, sala espaçosa, onde mamãe costumava dar os seus saraus familiares. Estava situada na rua Trajano, na cidade do Desterro, depois Florianópolis.

Meu pai era o Capitão de Engenheiros, Romualdo de Carvalho Barros. Minha mãe, Georgina (Ginoca) Caldeira de Cerqueira Lima.

Meus pais eram boníssimos, minha mãe alegre, divertida, sempre dispostos ambos a festas, a oferecerem jantares com quitutes baianos. Meu pai era baiano. Lembro-me bem dessas refeições. Dentre os convidados mais assíduos recordo-me do alferes Costinha (João Nepomuceno da Costa), que chegou ao generalato. Gostava muito de brincar comigo e eu o chamava de Olho de Gato por ter os olhos verdes, e ele me chamava de Olho de Tico-tico. Lembro-me também do coronel Machado, então Governador do Estado: era também baiano e muito amigo de meu pai, tendo sido colegas de turma e juntos se formado em engenharia.

Meu pai – dizia minha avó materna – era boníssimo amigo de seus amigos, coração sensível, não gostava de ver maltratar bicho algum, nem mesmo uma pulga.

A nossa sala de jantar era bem grande, com uma enorme mesa elástica "etagère''e uma pequena mesa ao canto, onde mamãe tinha os seus instrumentos e material para a confecção de flores, feitas de escamas de peixe, miolo de pão, conchas e penas. Na época, essas flores estavam na moda, não havia uma casa nesta cidade em que alguém não procurasse aprender a confeccioná-las, era a coqueluche do momento no Desterro. Lembro-me de um episódio muito engraçado que se deu nessa mesa de trabalho. Mamãe e papai gostavam muito de fazer piqueniques, e tínhamos um macaco muito levado, preso no quintal. Certa vez saímos para um desses passeios, não me recordo em que lugar, mas tenho uma vaga ideia de que era distante e nele havia umas ruínas. Agora indo à Praia do Forte, pareceu-me ser este o lugar em que fomos naquele dia. Pois bem, enquanto lá estávamos, o nosso macaco, que ficara acorrentado no quintal, conseguiu soltar-se e entrar dentro de casa, onde, depois de fazer algumas artes, como quebrar vasos e outras coisas, aboletou-se na mesa de trabalho de mamãe e aí fez misérias: derramou potes de tinta, lambuzou as flores com tintas, enfim foi completo o desastre! Aconteceu, porém, que ele foi se enrolando nos arames e canutilhos, ficando preso neles de mãos e pés, assim o encontramos ao voltar para casa. Um quadro impagável... todos acharam muita graça da cara do macaco, apesar dos grandes estragos, mas assim mesmo demos graças, pois se não tivesse ficado preso os prejuízos seriam muito maiores.

Na grande sala de jantar havia três janelas que davam para uma área e, mais ao fundo, um quintal. Nessa área papai construiu uma espécie de rancho e aí instalou um chuveiro de água fria bem rústico e primitivo. Não sei se por indicação médica ou conselhos de amigos, meus pais resolveram que eu tinha de tomar esses tais banhos frios, que me inspiravam grande medo, tanto que até hoje não tolero. Pois bem, para conseguirem me dar esses banhos, papai jogava umas moedinhas de prata de pouco valor, de modo que, quanto me abaixava para apanhá-las, papai puxava a corda, sim porque era à corda que o chuveiro funcionava. Dessa maneira conseguiram me dar alguns banhos e eu encher um saquinho de moedas... Não sei se deram resultado quanto a minha saúde, acho pelo menos que engordar não engordei, pois me lembro que sempre fui magrinha, amarela e feinha, mas talvez estas recordações do meu físico sejam devidas a uma fotografia tirada quando contava quase três anos. Nessa fotografia apareço com um cachorro de estimação de minha tia Miquita; vovó conta que eu teimei de só tirar o retrato se acompanhada do cachorro.

Tinha nessa época dois irmãos, filhos do primeiro matrimônio de meu pai, os quais, quando do casamento deste com minha mãe, contavam seis e quatro anos e pouco, Dalmiro e Alamiro, respectivamente. Eram muito meus amiguinhos e gostavam imenso de minha mãe, madrasta deles.

Foi o período mais feliz de nossa vida, e durou tão pouco! Meu pai servia na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, quando conheceu minha mãe, que era catarinense e estava lá a passeio com minha avó. Foram visitar a Fortaleza, na época sob o comando do meu tio, coronel Luiz Caldeira de Andrada, Tio Lulu. Vovó levara a passeio minha mãe ao Rio, a fim de distraí-la, pois recém perdera o noivo, que também era viúvo. Chamava-se Benevenuto, era alferes do Exército, e teve morte muito triste. Tendo ficado viúvo, a cunhada solteira pretendeu casar com ele que, contrariando os planos daquela, ficou noivo de minha mãe, então com dezessete anos. A dita recorreu à macumba e deu a ele uma beberagem tão forte que o coitado ficou louco e logo depois falecia. Mamãe sentiu muito e por isso vovó a levou ao Rio. Minha avó, Floriana, era irmã do Tio Lulu, como o chamávamos em família.

Papai nessa época estava com a esposa muito doente (tuberculosa) e na Fortaleza todos eram íntimos, e foi assim que mamãe ainda chegou a conhecer a mãe de meus irmãos: chamava-se Isolina, moça muito boa, delicada, de quem mamãe ficou muito amiga. Bem, ela faleceu logo, e no fim de seis meses papai e mamãe estavam casados. E quase ocorre o mesmo caso anterior, pois papai também tinha uma cunhada, por sinal muito bonita, que também queria casar-se com ele. Ela e a mãe tudo fizeram para que o casamento com minha mãe não se realizasse. Tia Naninha, irmã de meu pai, me contou muita coisa que elas fizeram: intrigas, mentiras, mas nada conseguiram. Mais tarde, já mocinha, conheci essa senhora e uma filha muito bonitinha, ambas casadas.

Por papai ter casado logo que ficou viúvo, não sou contra os viúvos que casam logo, pois papai tinha sido ótimo marido e casando novamente foi outra vez muito bom marido e nada perdeu de seu caráter e de cidadão íntegro que foi. Quando casou novamente devia ter 28 anos. Mamãe, apesar da pouca idade, foi madrasta ótima, uma segunda mãe, e Dalmiro sempre fez elogios à Georgina, como ele a chamava. Georgina é o nome de minha mãe. Papai nessa ocasião foi promovido a capitão e transferido para o Ceará, onde foi incumbido de um grande trabalho de engenharia: construir um açude e desviar um rio que cortava a cidade. Antes de papai, muitos já tinham sido encarregados deste trabalho, mas parece que desviavam as verbas e não o rio... Por isso aconteceu um caso bem engraçado. Quando chegaram lá, ninguém os conhecia e indo tia Naninha no bonde, ouviu a conversa de dois senhores: um perguntava ao outro — já viste o novo engenheirinho que chegou? (papai era baixinho) É aquele mesmo que vai fazer o serviço... — fazendo pouco de papai. Tia Naninha ficou danada, mas teve que ficar calada.

Papai fez essa obra em sete meses. Hoje, em Fortaleza, num dos seus jardins (no Parque das Crianças) há um monumento de que eu tenho a fotografia, com uma placa comemorativa, com a data em que foi realizada a obra e o nome de papai. Quando ele foi transferido para o Ceará, mamãe já estava muito pesada, esperando o meu nascimento. Os médicos, os amigos todos, aconselharam a não fazer tão longa viagem, pois naquela época os navios não tinham o conforto dos de hoje, as viagens eram muito demoradas, o desembarque era horrível no porto de Fortaleza. Vovó contava que o navio ficou longe do cais, botes iam buscar os passageiros, o mar violento. Os passageiros pularam dentro do barco, que esperava pelo movimento das ondas. Ainda hoje o desembarque é assim, só que quase ninguém viaja de navio, e quando fazem são em transatlânticos bem grandes e confortáveis. E mamãe enfrentou tudo isso.

Quando chegaram na Bahia, ofereceram um grande almoço a papai, não sei se foi o Governador ou o Prefeito. Aí se deu um episódio que tia Naninha conta como trágico: é que, ao servirem abacaxi, minha avó achou tão doce que perguntou se tinha açúcar, e isto, no dizer de minha tia, era uma ofensa, tanto que "quase morreu de vergonha" de vovó ter feito essa pergunta...

Na Bahia nós temos muitos parentes e alguns queriam que mamãe não continuasse a viagem, que esperasse a criança lá; papai também era da mesma opinião, mas nada fez mamãe mudar de propósito, ela continuou a viagem e eu nasci em Fortaleza no dia 18 de novembro de 1889, dia do reconhecimento da República no Ceará.

Papai estava de prontidão no Quartel e não podia sair. Quem assistiu à mamãe foi um velho amigo e parente de vovó, médico também do Exército, Dr. Luiz Carlos de Noronha, que foi também meu padrinho, sendo vovó minha madrinha. Para o Ceará foram em companhia de meus pais minha avó materna, Floriana, minha tia Naninha, meus dois irmãos, Dalmiro e Alamiro, e uma preta chamada Rita, que tinha sido escrava de vovó, presente de meu bisavô quando de seu casamento, mas devido ao mau gênio dela, vovó vende-a a um irmão residente na Laguna (tio Thomaz). O interessante é que, assim que se promulgou a alforria, Rita tocou-se para o Rio, a procurar "minha senhora", como ela chamava minha avó. Lá continuou a dar provas do seu mau gênio. Meus pais ainda estavam na Fortaleza de Santa Cruz quando essa escrava chegou, ocasião em que papai tinha sob a guarda diversos presos, entre os quais o nosso cozinheiro, por crime de morte. Pois a preta atracou-se com esse homem, que tinha uma faca na mão! 0 homem estava furioso e disse: Eu só não te mato, negra, porque muito respeito o meu capitão (meu pai) pois eu já estou condenado, não tenho nada a perder, mas meu capitão é homem muito bom!

Quanto ao meu padrinho, Dr. Luiz Carlos de Noronha, mais tarde, no Rio, com mamãe eu o conheci, fomos à casa dele, mamãe dava-se muito com a família, pois éramos parentes. Moravam numa casa muito grande, ele e numerosos filhos, inclusive uma filha que eu achava linda, chamada Mimosa. O velho mesmo era muito bonito e simpático.

Acabado o trabalho de papai no Ceará, ele pediu transferência para Santa Catarina, pois mamãe e toda a família de minha avó materna eram catarinenses do Desterro, hoje Florianópolis. Meu avô pelo lado materno era também baiano, filho de tradicional família baiana, chamava-se João José Cerqueira Lima. Pertencia a uma das famílias mais ilustres da Bahia. Vou abrir parênteses para contar o casamento de minha avó materna.

Seu nome era Floriana Caldeira de Andrada, filha do Cel. José Bonifácio Caldeira de Andrade e Maria Amália Vieira da Rosa Caldeira de Andrada. Era, se não me engano, a quarta filha entre 15 irmãos. Moça educada na Corte, cantava e tocava piano muito bem — prendas essas que faziam parte da educação de uma moça bem nascida — frequentava os bailes da Corte, que meu bisavô era um dos íntimos do Imperador. Muito bonita, irradiando simpatia, facilmente foi logo notada pelo novo médico baiano que, com a declaração de guerra ao Fãraguai, estava aqui no Desterro esperando ordem e condução a fim de partir para a guerra como médico do Exército. Foi oferecido em Palácio um baile à oficialidade aqui em trânsito do batalhão a que ele pertencia. Nesse baile conheceu minha avó, e quando chegou a ordem do batalhão seguir, ele tinha se apaixonado pela desterrense e, assim, já foi noivo que ele seguiu viagem, minha avó com 18 anos e ele com 25. Não era muito forte, de modo que, com as dificuldades que teve de enfrentar, como clima horrível, mal passadio, dormindo ao relento, sem roupas apropriadas para enfrentar o frio, chuvas, etc, ele se ressentiu e sua saúde ficou logo abalada, tendo de dar baixa por doença. Voltou a Santa Catarina, e aqui, uma vez restabelecido, pediu demissão do Exército, casou e fixou residência no então Desterro.

Minha avó e meu avô foram muito felizes durante os poucos anos de vida conjugal. A casa deles era na rua Esteves Júnior, antiga rua do Passeio, na Praia de Fora. Vovó contava que era uma casa muito alegre, pois meu avô gostava de dar festas e jantares, quando se reuniam os parentes de minha avó. Desse casamento nasceram quatro filhos, sendo a tia Miquita a mais velha, Maria Augusta era o seu nome, o segundo tio Adolfo, a terceira uma menina, não sei bem se por nome Carolina, mas em casa a chamavam de Didi, esta faleceu pequenina, talvez com um ano de idade, a quarta foi mamãe, chamava-se Georgina, mas tratavam-na por Ginoca. Quando mamãe nasceu, meu avô faleceu, pois a doença voltou novamente e dessa vez não deram resultado algum todas os tratamentos que fez. Enterrou-se no dia em que minha mãe nasceu.

Minha mãe foi sempre uma criatura muito forte, a única moléstia que teve foi a febre amarela, que apanhou no Rio de Janeiro e a vitimou aos 25 anos de idade. Meu avô faleceu com 33 anos. Minha avó nunca pôde se comunicar com a família dele, na Bahia, sendo que todas as cartas dela ficaram sem resposta, apesar dele sempre dizer que minha avó e os filhos tinham direito a uma herança quando o pai dele falecesse.

Minha avó lutou muito para criar os três filhos, lançou mão do que sabia, do que aprendera na Corte — piano e canto — e passou a dar aulas entre as famílias abastadas da cidade. Meu bisavô materno, José Bonifácio, tinha sido um dos negociantes mais prósperos daqui e de São José. Aqui na Capital as melhores casas eram dele, como o prédio do Clube Doze de Agosto e o do Montepio, a casa da rua Esteves Júnior, em que minha avó morava, a da Figueira, na Avenida Trompowsky e outras. Nesta, da Figueira, como nós chamávamos, morava a família, que era enorme. Tinha uma chácara que ia até a rua Bocaiúva. Essa casa ainda existe e pertence à família Carneiro da Cunha.

Meu bisavô, José Bonifácio, quando estava com a casa comercial bem forte, resolveu vender tudo e estabelecer negócio no Rio, mas foi um erro muito grande pois voltaram a frequentar os bailes e festas da Corte, e eram quatro moças que só de joias e vestidos despendiam muito dinheiro, e assim tiveram de retornar, pois o negócio lá não foi bem como aqui. Minha bisavó, Maria Amália, também teve a infelicidade de ficar cega aos 40 anos! Meu bisavô não se conformou com essa desgraça e fez tudo que foi possível para que ela recuperasse a vista, gastou bastante com os melhores médicos do Rio, mas tudo inútil. Eles viveram bastante, minha avó ainda sobreviveu a ele, falecendo com 82 anos. Ambos eram muito bondosos. Quando li as Memórias desse estimado velhinho, chorei muito. Ao falecer minha bisavó, eu tinha oito anos e ainda me lembro bem dela, tão boa, tão paciente na sua cegueira!

Meu bisavô era mineiro e, apesar de ter uma família numerosa, ainda tinha em sua companhia duas irmãs solteironas. No tempo que me lembro, uma delas, a Yayá, morava com mamãe na nossa casa da rua Trajano e era muito velhinha e caducava. Um dia mamãe foi achá-la fechada dentro de uma mala, quase asfixiada, é só isto que me lembro dela; acho que faleceu em casa da tia Miquita.

Minha avó, Floriana, ficando viúva, foi morar com os pais na casa grande da Figueira. Então tio Fernandinho (Fernando Caldeira de Andrada), irmão de minha avó, já tinha voltado da guerra do Paraguai, pois tinha se alistado como 1? voluntário do Batalhão de Voluntários que aqui se formou. Ele ficou viúvo logo que voltou; tinha uma filhinha, Cotinha (Maria José) e logo casou segunda vez. Moravam todos na casa grande, e ele (tio Fernandinho) foi o pai que minha mãe conheceu, pois sempre foi muito bondoso e paciente. Tia Sinhá (Maria Rita), sua segunda esposa, foi uma santa, e além dos muitos filhos, tinha a casa cheia, pois, com ela moravam também a irmã mais velha do tio Fernandinho e de vovó, tia Jacinta, que também ficara viúva quase na mesma época que esta. Tia Jacinta era também esposa de médico (da Marinha), que morreu muito moco e também deixou três filhos: Zelia, mãe de Osvaldo Mello, Dudu (Cordolina), que meus filhos muito conheceram, e Salustiano, oficial do Exército, que morreu cedo no Rio, deixando uma filha que foi, no Rio, muito minha amiga. Chamava-se Augusta.

Bem, voltemos agora ao tempo em que papai, findo o trabalho no Ceará — um trabalho muito importante, como eu já contei — tornou ao Sul. A rogos de minha mãe e vovó, papai pediu transferência para a cidade do Desterro, contra a vontade de tia Naninha que, sendo nortista, gostava muito do Ceará. Nesse tempo já estava se infiltrando no Exército o descontentamento pela nova República. Papai foi dos primeiros a se revoltar contra os atos dos mandões do novo regime, que não souberam se impor. A decepção dos homens de valor, que muito esperavam da República, foi tremenda. Papai e os colegas de farda e curso logo se manifestaram contra e começou a se formar um movimento de revolta. Os mais exaltados, na ocasião, eram os próprios homens de farda que esperavam do Floriano a salvação do Brasil.

Papai confiou demais nos colegas de farda e alguns destes o traíram logo que Floriano se fortaleceu, pois com a revolta da Marinha, chefiada por dois almirantes, Custódio José de Mello e Saldanha da Gama, que fugiram para a cidade do Desterro e aqui fizeram a sede de uma nova República, esperando que o Exército depusesse o Floriano, este tratou de recuperar as graças do Exército e do resto da Marinha. Quando os revoltosos estavam certos da vitória, não só aqui como no Rio Grande do Sul, surge a esquadra do Governo, agora novamente forte e contando com a quase totalidade do Exército. É que muitos, se não a maioria dos revoltosos do Exército, passaram para o lado do Floriano. Foi para papai uma enorme decepção, pois tinha nos amigos e colegas uma grande confiança.

No começo destes apontamentos eu falei no coronel Machado, pois bem, este era na época Governador provisório da Santa Catarina, sendo papai seu ajudante-de-ordens. Era muito amigo de meus pais e nosso hóspede constante, pois, baiano que era, apreciava muito a comida baiana da tia Naninha e de minha mãe. Sendo solteirão, mamãe tratou de arranjar-lhe noiva. Em São José, onde mamãe sempre passava fins de semana em casa de tio Fernandinho (mais tarde meu sogro), havia uma moça muito bonita e boazinha, mas muito pobre, embora de família muito boa, e mamãe decidiu "tramar os pausinhos". Ela era branca, muito clara, ele um mulatão gorducho e muito feio, mas esplêndida pessoa. Sei que mamãe deu um jeitinho todo seu, muito gaiata e alegre que sempre foi, e provocou um encontro dos dois. Logo depois o casamento se realizava em nossa casa e ali também fizeram o enxoval e o vestido da noiva. O casal foi muito feliz. Eu me lembro do casamento e também da visita que, mais tarde, fizemos a eles, no Rio de Janeiro. Vovó levou-me a casa deles — mamãe então já era falecida — que gostaram muito de me rever.

Algumas palavras sobre o Costinha, tenente e mais tarde general, hoje falecido. Esse moço era também nosso hóspede e, como papai, revoltoso, mas conseguiu fugir a cavalo para o interior da Ilha. Bem, ele era lageano, tinha noiva no Rio e, casado, trouxe a senhora para morar no interior do Estado, penso que na Colônia de São Pedro, pois lá havia um destacamento militar onde papai serviu como comandante. A moça era bem criança, muito bonitinha e de família distinta do Rio. Foram muito felizes, mas por breve tempo, tendo ela falecido de parto. Mamãe soube desse fato por ele mesmo, que entrou em nossa casa em prantos, com a criancinha nos braços, depositando-a em seu colo. Foi um quadro muito triste, segundo vovó contava, pois eles estavam casados fazia pouco mais de um ano. Mamãe cuidou da criança até ele conseguir licença para poder levá-la à casa dos avós maternos. Eu sempre recebia retratos dessa menina, que se chamava Cecy. Mais tarde, no Rio, também a conheci na casa de seus avós. Costinha, tempos depois, quando veio a anistia, reverteu ao Exército e fixou residência aqui no Desterro, então já Florianópolis. Ele casou de novo, com uma paranaense.

Na Bahia tínhamos parentes pelo lado do meu pai, alguns bem ricos, pois minha avó paterna era de uma família ilustre e até de sangue azul, mas já meu avô paterno era pobre, humilde, mas de caráter íntegro. Chamava-se Balduino de Barros e era um velho simpático, que conheci por fotografia. Assim houve muita guerra contra o casamento de meus avós, um casamento que diziam ser desigual. Mas foram felizes, embora ela tenha falecido cedo, pois tia Naninha contava só 11 anos e papai 13 quando minha avó paterna morreu. Ele era empregado da Estrada de Ferro da Bahia. Minha avó tinha uma irmã que eu conheci, pois vieram a Florianópolis visitar tia Naninha, eia e o marido, ambos já idosos. Eram baixinhos, simpáticos e bondosos. Tia Carolina era o nome dela, gostava muito de mim por ser filha do seu sobrinho querido. Quando nasci, mandou-me de presente duas pulseiras de ouro: uma eu dei à Conchita, minha afilhada, da outra fiz um pregador, de vez que ficaram pequenas para meus braços. Esse pregador é o mesmo que o meu filho Lauro tinha perdido ao pregá-lo num pano de pratos que enrolara no braço para proteger-se dos respingos de uma goiabada que preparava. Agora, depois de tantos anos, ele mesmo o achou quando cavavam os alicerces da sua casa, construída em terreno que fora parte do nosso quintal! Eu sofrera um pesar muito grande por ter perdido essa joia de tanta estimação, xingando muito o Lauro pelo fato. O casal de velhinhos, meus tios, pouco demorou aqui. Tia Carolina possuía uma imagem do Menino Jesus muito rica, cheia de joias, o cordão de ouro com muitos metros de comprimento, o cajado era também de ouro, além de outras joias de valor. Esse Menino Jesus sempre a acompanhava, e ela disse que, quando morresse, ele seria meu. Mas acontece que ela morreu já com muita idade, sendo o marido também bastante velho, de modo que os parentes dele tomaram conta de tudo e eu fiquei sem o Menino Jesus e as joias...

Quando papai chegou ao Desterro com a família, ficou horrorizado com a instrução tão precária que aqui se ministrava, principalmente quanto à parte que tocava às moças que, terminados os quatro anos primários, estavam com a educação completa. E assim, com um grupo de amigos, papai tratou de fundar a Escola Normal, que começou a funcionar ao lado do Liceu de Artes e Ofícios, que era o ginásio dos rapazes. Essa ideia foi muito bem recebida e ele teve o prazer de ver muitas moças estudarem e se formarem. Ainda é viva a primeira aluna do Curso, D. Justininha Veiga Magalhães, penso que é a única sobrevivente, contando mais de 80 anos. Ela exerceu o magistério por muitos anos; foi minha professora e sempre falava em papai com gratidão. Sua irmã D. Hermínia Veiga Vieira, também foi aluna de papai, formou-se e exerceu o magistério por longos anos. Também fui sua aluna quando tinha 8 anos.

Não contente com esse tão grande empreendimento, papai resolveu também fundar um internato para meninos que residiam fora da Capital. Esse internato funcionou no prédio em que hoje está instalada a Polícia Militar. O edifício é o mesmo, com a mesma fachada, somente foi ampliado, as janelas rasgadas e o portão principal alargado. O internato chamava-se Partenon, e, embora tivesse só três anos, lembro-me bem que o uniforme dos alunos era azul-marinho, de lã. Eu também desfilava fardada...

Mamãe cuidava dos internos, crianças com 8 a 10 anos. Eram alunos dois sobrinhos de minha avó Floriana, filhos de uma irmã chamada Adelaide, residente em Joinville. Chamavam-se Rogério e Nabor Caldeira Lobo, irmãos mais velhos do Dr. Marinho Lobo, que foi deputado estadual por diversas vezes e prestigioso advogado em Joinville. Esse internato infelizmente teve vida curta, pois os acontecimentos políticos reclamaram a presença de papai ao Quartel e sua atenção a outros setores.

Por ocasião do meu 3º aniversário, mamãe deu um baile, fez um piquenique e batizou uma boneca que eu tinha ganho. O piquenique foi mesmo na chácara do internato, pois não havia a rua Nereu Ramos, tudo era chácara; o baile foi no salão do colégio e o batizado no local do piquenique. Fez papel de padre o meu tio Adolfo, que também era muito pândego e alegre como mamãe. Apesar dos meus 3 anos, lembro-me, embora vagamente, desse fato, só não estou lembrada quem foi a madrinha da boneca, mas sei que o padrinho foi o sobrinho de vovó, Luizinho, que também era muito brincalhão. O Luizinho — filho de tio Felisberto — é o pai de Aracy, que Almira conheceu no Rio, em casa de Alicinha, e irmão do Fernando (Nandinho), pai de Maria de Lourdes Bastos.

Do Partenon nos mudamos para a Praia de Fora, rua Bocaiúva, perto do local onde hoje está o estádio Adolfo Konder. Era uma casa muito grande, toda de azulejos (ainda existe). Foi aí que mamãe formou um clube de moças cujo estandarte ainda conheci e guardei até mocinha. Era de cetim cor-de-rosa e tinha os seguintes dizeres bordados em prata: Sociedade Recreativa de Moças. Eu também era sócia dessa agremiação, que era dançante e, como o nome indica, promovia concertos mensais com os melhores maestros e músicos da época; eram excelentes esses concertos, quase sempre realizados no Teatro Álvaro de Carvalho, e grátis para as sócias, suas famílias e convidados. Em tais concertos tomavam parte maestros como Adolfo Melo, pai de Osvaldo Ferreira de Melo, Raimundo Bridon, Hermínio Jacques e outros. Contávamos também com grandes pianistas: Maria Isabel Gama d'Eça (Belinha), sobrinha de Othon Gama d'Eça e outras, era uma orquestra grande, muitas moças tocavam bandolim, havia muitos violinos, harpas, etc. Os bailes eram realizados no Doze de Agosto, mensais se não me engano, e no dia do aniversário de fundação da Sociedade (penso que a 17 de outubro) havia o Baile de Gala, em que a cada ano as sócias se apresentavam vestidas de uma só cor, por exemplo: azul num ano, rosa noutro, ouro outro. Faziam conjunto muito bonito, eu sempre comparecia igual a todas, embora fosse ainda menina, mas era sócia; mais tarde fiz parte da diretoria; todas nos fantasiávamos e acompanhávamos o corso dos Tenentes do Diabo. Tínhamos um distintivo em forma de lira de prata e a letra do nosso hino escrita pela poetisa Delminda Silveira e a música não sei se pelo Adolfo Melo ou Flermínio Jacques.

Havia nessa época também uma sociedade juvenil — As Miosotes — formada por meninas-moças da nossa melhor sociedade; seus bailes também eram realizados no Clube Doze e o distintivo era um ramo de miosotes; nos bailes de aniversário quase sempre elas se vestiam de azul. Havia também o Clube da Juventude, igualmente de mocinhas que, embora muito distintas, não pertenciam à elite; fiz parte também dessa sociedade por ser a presidenta minha melhor amiga, Glória Silva, cunhada do Aldo Almeida; nessa época a Natércia era uma piazinha, não formava! Glória também frequentava o Doze, do qual o pai era sócio; moça inteligente, dançava muito bem (eu não dançava como ela) e era professora. Fazia parte dessa agremiação também a Marieta Schutel, hoje senhora Heráclito Gomes da Silva, mãe do Dr. Abelardo Gomes da Silva (*) e sogra da filha do Celso Ramos; nessa ocasião é que travei conhecimento com ela, mas nunca chegamos a ser amigas, pois pertencia a outro meio social.

Tínhamos então ainda outra sociedade de moças — As Violetas — rival encarniçada das Recreativas e que dava seus bailes também no Doze, pois a integravam moças da alta sociedade. Por sermos rivais é que alcançávamos tanto êxito em nossas festas, e elas também. A principal figura, a mais vermelha dessa sociedade era a Ala ide Alvim, mais tarde Sra. Fúlvio Aducci. Os músicos eram neutros e assim tanto

(*) Acabo de saber, com tristeza, que este moço, que foi colega de magistério do Fernandino, em Campo Alegre, em 1937, faleceu).

tocavam nas nossas festas como nas delas, salvo a família Gama d'Eça; a Belinha foi a nossa primeira presidenta e os ensaios dos concertos e reuniões eram feitos na casa dela, um sobrado grande e antigo na Praça 15, onde hoje é o edifício Sul América. Na casa da Rua Bocaiuva realizaram-se diversos bailes, até bailes de máscaras, pelo carnaval. Tia Naninha contava que papai ficava à porta, não deixando dominó ou outra fantasia entrar sem que tirasse a máscara e se identificasse. E conta o caso de um senhor muito conhecido e muito amigo que não queria de jeito nenhum tirar a máscara. Dizia-se amigo e queria fazer surpresa a todos, mas papai não cedeu: só entrava gente reconhecidamente boa e amiga. Mas o moço em apreço era amigo mesmo, e eu mais tarde o conheci muito. Chamava-se Vasco da Gama Lobo D'Eça. Era alegre e folgazão, e veio a ser o avô da Ivone D'Ávila (esposa do Dr. Newton D'Ávila, neto de Lauro Linhares, tio do Patrício). Dessa casa é que nos mudamos para a casa da rua Trajano.

Quando chegamos do Ceará, não sei onde fomos morar, sei que nos hospedamos em casa de Tio Felisberto, avô de lisa (esposa de meu irmão Dalmiro), até meus pais acharem casa. Vovó dizia que eu cheguei muito mal de coqueluche, tinha 9 meses. No Rio de Janeiro, os médicos disseram que eu não aguentaria a viagem, mas mamãe mais uma vez não atendeu aos médicos e não quis ficar no Rio, nem papai. A viagem foi longa, pois antigamente os vapores tocavam em todos os portos, e cheguei não tão mal como quando saí do Rio. A viagem fez bem, e eu arribei! Vovó contava que a primeira pessoa que me tomou nos braços, a bordo, foi o nosso primo Aristides Mello, muito amigo de mamãe, pois eram quase da mesma idade, 19 anos. Ele mais tarde foi muito meu amigo. Não podia deixar de falar nesse primo, que foi para mim quase um irmão. Era ele filho único de um primo irmão de vovó, chamado José Ferreira de Mello (Juca), formado em Direito, tocava muito bem piano e era muito rico. Mais tarde, eu já com os meus 7 anos, frequentava com vovó assiduamente a casa deles, lá passando um dia todas as semanas. A mãe, uma senhora muito boa, era muito amiga de vovó de quem era prima. Quando o pai faleceu (eu tinha 9 anos) eles sentiram imensamente; Aristides ficou doente, não se conformava de jeito algum com essa morte, vivia dentro de casa, abandonou o piano, quebrou todos os santos (imagens) que havia em casa, e assim levou alguns anos, até que começou a frequentar a Maçonaria, onde foi grande figura. Fazia discursos muito bonitos, tinha mesmo o dom da oratória. Muitas vezes foi me buscar para assistir às festas que ali se realizavam no dia 24 de junho, dia de São João. Vovó também gostava muito dessas festas, pois tio Fernandinho também era maçom, gP 33. Eu já era mocinha e ele sempre me levava a concertos e festas. Até hoje me lembro com gratidão de tão querida criatura. Ele casou depois de mim, com uma prima, minha e dele, chamada Maricota Montenegro (irmã do Tito Montenegro). Com a morte do pai, ele ficou para sempre com a saúde abalada, e custou a casar, e logo depois se agravou a moléstia, vindo a falecer entre grandes sofrimentos com dispneias muito fortes. Sofria dos rins, e tinha uma dieta rigorosa, de modo que dava dó vê-lo comer, ele que sempre teve a sua mesa farta e variada do que havia de melhor, preparado pelas melhores cozinheiras da época. A mãe dele, Quintina, como a chamávamos, ficou só e sempre muito triste, logo falecendo também. Era irmã do avô do Dr. Aderbal Ramos da Silva. A fortuna, inclusive as muitas joias, ficou para aquele, o único irmão vivo.

A casa deles é a que, na rua Esteves Júnior, hoje mora Olga Lima. Ali naquela chácara muito brinquei e muito me distraí, foi um dos bons tempos dá minha vida. Era uma casa muito alegre, sempre cheia de moços e moças, todos parentes e colegas. Aristides, quando faleceu, era Procurador Geral da Delegacia Fiscal. Esta página é um tributo de gratidão e de amizade a tão querida pessoa, a quem devotava grande afeto, unindo-nos uma amizade pura e verdadeira, que me fez tão feliz. Obrigada, Aristides, por esse sentimento de autêntica e fraternal afetividade.

Bem, agora vou continuar a minha história. Na casa da rua Trajano continuaram as festas e jantares, mais frequentes com a chegada da esquadra revoltosa, pois além dos navios comandados pelos Almirantes Custódio José de Mello e Saldanha da Gama, vieram outros navios menores, um deles eu me lembro que era comandado por um moço chamado Mattos, que era assíduo em nossa casa e andava sempre comigo no colo. Ele gostava da Stela, nossa prima, e mamãe fazia uma torcida muito grande para que eles se casassem, mas deu em nada. Mais tarde, tinha eu 17 anos, ele chegou aqui já num posto bem alto, talvez Contra-almirante, pois comandava uma esquadrilha da Marinha de Guerra. Logo que chegou, indagou do meu endereço e foi me fazer uma visita. Já estava casado. Seu navio ofereceu um coquetel às moças catarinenses, e ele fez questão que eu fosse. Fui e gostei muito. Houve baile a bordo, com muitos guardas-marinha e bonitinhos. Ele me tratou com muita gentileza, e mais tarde me enviou uma fotografia da festa: moças de um lado, de outro a oficialidade da esquadra, e o Mattos no centro. Teve a fineza de me remeter a fotografia com dedicatória muito expressiva; sinto que a mesma se tenha perdido, pois vocês haveriam de gostar de vê-la. Estávamos todas, conforme fora acertado, de vestido branco e chapéu, combinando com o uniforme branco da oficialidade.

O período de felicidade e alegria de meus pais, como já disse, durou pouco, tendo logo chegado os navios de guerra mandados pelo Floriano, e foi aquela tristeza em quase todas as famílias catarinenses com a posse do novo Governador, enviado pelo Floriano, o carrasco Coronel Moreira César, que desde o primeiro dia começou a prender gente revoltosa e não-revoltosa. Os da terra eram os piores, espalhando-se espiões por todos os lados, a indicarem as casas dos revoltosos e também dos que somente lhes eram desafetos, às vezes até por vingança pessoal ou por ciúmes, como se deu com o meu tio Luiz Caldeira de Andrada, Coronel do Exército, muito amigo do Floriano, alheio à política e fiel ao Governo. Mas os Lambisas, como eram chamados, tinham-lhe inveja e ciúmes e fizeram-no alvo de um ato injusto e vergonhoso. O infame Moreira César, um doente, pois sofria de epilepsia, tinha paixão pelo mando e, enviado de Floriano com amplos poderes, começou logo a saciar sua sede de poder.

Seu desembarque aqui na Ilha deu-se em dia de vento sul fortíssimo e, como era costume naquele tempo, quando ventava sul os vapores fundeavam na Praia de Fora (baía norte), e assim o navio em que ele viajava fundeou lá. O Cel. Luiz Caldeira de Andrade (o tio Lulu, como o chamávamos em família) foi dos primeiros a chegar ao local do desembarque, juntando-se aos colegas e amigos do Floriano e do facínora Moreira César. Mas, como o vapor estivesse demorando e tendo ele recebido aviso de que a esposa sofrera um ataque, correu a casa, que ficava na rua Esteves Júnior, bem perto do trapiche onde se achava. Foi e logo voltou, mas aconteceu que nesse meio tempo Moreira César desembarcou e, perguntando pelo Coronel Caldeira, os inimigos gratuitos aproveitaram a ocasião para dizer-lhe que o Coronel Caldeira era revoltoso, como toda a família Caldeira.

Moreira César não contou tempo em mandar prendê-lo, de modo que nem chegaram a se falar. Os subordinados não esperaram segunda ordem: levaram-no logo para a Fortaleza e trataram de não o deixar falar a ninguém. Ele pediu: — Me deixem ao menos passar um telegrama ao Floriano. Deixaram, porém o telegrama chegou tarde. Quando receberam a resposta de Floriano, dizendo que soltassem o Coronel Caldeira, ele já fora fuzilado.

Tio Lulu, como já disse em página atrás, era irmão de minha avó, Floriana, casado com uma prima que era irmã da mãe de Aristides Mello e tinha muito dinheiro. Chamava-se Maria Cândida da Silva Ramos (tia Sinhazinha), sendo irmã também do avô do Dr. Aderbal Ramos da Silva, como já disse. Era muito boa, muito amiga de mamãe e vovó. Tio Lulu e Maria Cândida tinham dois filhos: Alcino e Cordolina (Santinha), casada com Carlos Taulois, Major do Exército.

Nesse tempo quase todos os revoltosos trataram de fugir, escondendo-se em casa de parentes e amigos. Papai também saiu de casa, atendendo aos rogos de mamãe e demais familiares, indo para a casa de um parente de mamãe, muito nosso amigo, Adolfo Mello, pai de Osvaldo Mello, que também estava sob suspeita e perdeu o emprego nessa ocasião por ser federalista. Mas papai não era homem de fugir ao dever, como ele dizia, pois era revoltoso e como tal tinha de se apresentar no Quartel.

Ainda me lembro da noite em que ele veio em casa despedir-se de nós, pois decidira apresentar-se. Nós estávamos todos dormindo no chão, na sala de jantar, todos juntos, que o pavor era terrível devido ao que eles, os Lambisas, estavam praticando a mando do Moreira César, que tinha carta branca do Floriano para prender, matar, saquear, tudo sumariamente. Papai despediu-se, deixando com mamãe o anel de engenheiro, mas levando o relógio de ouro e corrente.

Apresentando-se no Quartel, foi logo preso e lhe disseram que seria mandado para o Rio, a responder Conselho de Guerra. Ele mesmo dizia saber a que penalidade estava sujeito, mas não fazia mal, tirariam-lhe a farda, decerto, mas matar não acreditava que fizessem, de vez que "não era possível que alguém pudesse tirar a vida de outrem".

Dizendo que ele iria para o Rio, embarcaram-no no Itapimirim, vapor às ordens do Governo. Papai escreveu de bordo a mamãe recomendando que se desfizesse da casa e seguisse para o Rio com toda a família. Meus irmãos estavam em São José, em casa de tia Naninha. Mamãe mandou buscar meus irmãos e seguimos todos para o Rio, vovó Floriana também nos acompanhou, bem como a escrava Rita, que nunca mais nos deixou. Porém, tinham enganado papai e fizeram os presos desembarcar na Fortaleza de Anhatomirim, na barra norte.

Fomos todos para casa de tia Miquita, que morava no Rio, sendo que o marido, também Capitão do Exército, era do lado do Floriano, pois ele dizia que "governo é governo, nunca um militar pode se revoltar, pois sempre perde".

No Rio começaram nossas andadas de quartel em quartel, pois mamãe não descansava, queria saber onde papai se achava preso. Chegava em casa exausta, sem obter a menor informação. No dia seguinte continuava as buscas, tudo em vão. Lembro-me de ter subido muitas escadas, chegar em salões muito bonitos, com reposteiros de veludo vermelho, lustres de pingentes e muita coisa dourada. Mais tarde soube que era o Ministério da Guerra e outros Ministérios. Mamãe levou nisso, nessa incerteza e nessa busca de notícias, de qualquer informação, por vaga que fosse, tudo sem resultado algum, desde o começo de fevereiro (que penso foi quando embarcamos para o Rio) até o começo de novembro. Papai já tinha sido fuzilado a 16 de abril de 1894. Lembro-me que, quando tio Conceição (marido de tia Miquita) soube e trouxe a notícia, mamãe com o choque, desmaiou e levaram-na como morta para a cama. Eu me assustei muito, via todos chorar, me abraçavam, mimavam-me, mas não estava compreendendo nada. Tio Conceição, que vivia no quartel, ele mesmo só soube ou pôde dizer depois de tão longos meses!

Muitos dos nossos parentes estavam presos, meu tio Adolfo também estava preso incomunicável, ele que se casara havia pouco tempo. Vovó passou um período muito triste. Lembro-me da tristeza do meu 5º aniversário, com mamãe ainda sob a dor de perder o marido tão tragicamente e todos em casa sofrendo o peso da tragédia da revolução. Havia muito cuidado no falar, principalmente em casa de tia Miquita, cujo marido era militar e do lado de Floriano, porquanto qualquer palavra ouvida pelos capangas deste poderia fazer com que a mão forte caísse sobre o meu tio. Estou bem lembrada de que nesse aniversário ganhei um piano de brinquedo (acho que foi o único presente) de D. Cindinha, uma mineira casada com um engenheiro baiano, Dr. Miranda, colega de papai, um casal muito bondoso. Nós depois passamos dias na casa deles e, mais tarde, quando eu tinha 17 anos, eu e vovó ali nos hospedamos. Nesse tempo ele já era Tenente-coronel e faleceu como General. Esse 59 aniversário, que diferença do anterior, quando a cama de mamãe foi pequena para conter os presentes que ganhei, quando meus pais fizeram festas, com baile, convite impresso, etc.

Desde o dia em que mamãe soube da notícia da morte de papai (contava ela 23 anos), e apesar de toda sua tristeza, não ficou em casa chorando: tratou de assegurar a nossa subsistência e de regularizar os papéis de viúva de militar. Então começaram as novas andanças de Ministério a Ministério, até que conseguiu tudo regularizar, ficando tutora de meus irmãos. Logo tratou também de obter vaga para eles no Colégio Militar, a que tinham direito sendo filhos de militar, com prioridade por terem perdido o pai.

Assim que mamãe conseguiu reunir todos os papéis e começou a receber o que tinha direito — meio soldo e montepio — alugou uma casa na Quinta da Boa Vista. Não foi sem custo que mamãe pôde completar essa documentação, pois mesmos os antigos colegas e amigos de papai não procuravam ajudá-la, que todos viviam sob o regime da opressão e do medo sabendo ser perigoso até mostrar simpatia pelo seu caso, olhando-a todos como viúva de um traidor! Mamãe compreendia tudo e, de ânimo forte, nunca se abateu nem se intimidou. Era de porte franzino, magrinha, mas de espírito resoluto e de uma coragem enorme.

Tio Adolfo nessa ocasião foi posto em liberdade, e passamos a morar todos juntos. Não ficamos muito tempo tranquilos na nova casa, pois mamãe contraiu a febre amarela, que no Rio, naquele tempo, era um flagelo. Estávamos em 1896, fevereiro, época em que o calor no Rio é terrível. Mamãe, naquele dia, já tinha ido à cidade comigo quando tia Sinhazinha, viúva do tio Lulu (que também estava no Rio, supondo que o marido lá estivesse), apareceu em nossa casa pedindo à mamãe para acompanhá-la à cidade a fim de tirar a fotografia da filha (Santinha). Mamãe, que não sabia dizer não, mesmo estando muito cansada, aquiesceu e com ela retornou ao centro. Lá no retratista tomou um copo d’água gelada — lembro-me desse pormenor porque por muito tempo perdurou na mente de todos que a causa da doença de mamãe foi aquele copo d’água gelada, tanto que até mocinha eu ouvia dizer: Não tome água gelada estando cansada, olhe a Ginoca! Só mais tarde é que ficou provado ser o mosquito o transmissor dessa doença. Bem, mamãe chegou em casa doente e foi logo para cama. Chamado o médico, este logo constatou febre amarela, da preta, devido aos vômitos escuros. Mandou logo retirar todos de casa. Tia Gentileta ganhara uma criança havia um mês, e saímos ela, eu e o bebê para a casa de uma vizinha, ficando uma irmã de tia Gentileta, de nome Abigail, moça muito boa, que tratou de mamãe sem medo da doença, tio Adolfo e um enteado de tia Moquita, rapaz de 16 anos, que foi muito bom para mamãe. Chamava-se Otelo e foi marido da Pepita, que vocês conhecem.

A febre amarela ocorre em crises, de modo que passando os primeiros sete dias o doente se salva, segundo me lembro que diziam, mas a de mamãe era das piores, da preta, da qual é quase sempre impossível escapar com vida. Vovó não estava, tinha ido passar um mês em casa de uma parenta e muito amiga, Doquinha, irmã do Dr. Donato Mello. Esta parenta era da idade de mamãe, de quem era muito amiga.

No dia 15 de fevereiro de 1896 mamãe faleceu. Lembro-me que subi na janela e espiei, não me saindo mais da memória o que vi: o caixão preto e prateado, e a mamãe morta. Apareceram logo vizinhos e me carregaram para dentro de casa, e não vi mais nada. No dia seguinte tio Adolfo me levou para casa de tia Miquita, que tinha estado de cama devido a um aborto e por isto não pôde acompanhar mamãe em seu triste fim. Vovó Floriana chegou nessa noite em casa de tia Miquita, e por ser mais perto da estação ferroviária, pernoitou lá. Ninguém então falou nessa desgraça, deixaram-na descansar da viagem, e mesmo ninguém tinha coragem de contar-lhe o que acontecera. Mas meu primo Nestor, filho de tia Miquita, que contava 5 anos, saiu do quarto e foi correndo ao quarto de vovó, dizendo: Sabes que a tia Nuca (chamava assim a mamãe) morreu? Vovó, coitada, ainda ralhou com ele: O menino, não diga isto! Ele confirmou: Foi sim, é verdade. Aí foram obrigados a dizer, e bem podem calcular o choque terrível que ela levou; quando tio Adolfo me trouxe, outro choque. Ela mesmo dizia que não morreu porque tinha de me criar.

Assim me lembro dos dias tristes daquele tempo. Vovó tratou logo de arrumar de novo os meus papéis, ficando ela minha tutora. Isto levou tempo e muitas viagens à cidade e novas andanças pelos Ministérios, etc. Todos os sábados meus irmãos vinham passar os dias conosco, parece que tio Adolfo ia buscá-los, não me lembro bem, e também não sei se era todos os sábados ou uma vez por mês. Sei que ficava muito contente, sendo eles muito meus amigos e eu deles. O maninho, como eu chamava o Alamiro, era muito chegado a mim; ele tinha 4 anos quando eu nasci.

Tio Conceição foi transferido para o Batalhão 37, aquartelado aqui, já então Florianópolis, e vovó, assim que resolveu todos os meus documentos, decidiu voltar para cá, perto de todos os nossos parentes. Mas antes, tendo tio Adolfo alugado uma casa na rua Riachuelo, no Rio, fomos nós também morar lá até podermos viajar. Lembro-me de que a criancinha que eles tinham, de um mês quando mamãe ficou doente, com 3 meses era uma criança muito bonita, muito gordinha, de nome Ary Vicente. Pois bem, vovó e eu fomos passar o dia em casa de umas parentas em Vila Isabel, deixando, ao sair, o menino bonzinho, e quando voltamos à tarde havia morrido. Foi novo choque. Eu então, que gostava muito dele, vovó, que tinha nele uma distração, devido ao golpe da morte da mamãe, os pais desolados, pois o primeiro filho nascera morto... vejam vocês quanta coisa nos aconteceu em tão pouco tempo! A criança morreu de crupe, decerto porque naquele tempo não havia os recursos de hoje.

Logo depois chegamos aqui. Lembro-me de nossa chegada em casa de tio Felisberto, avô de Ilza e irmão de vovó; ele morava na casa em que hoje está instalada a Biblioteca Pública, à rua Arcipreste Paiva, perto da Catedral. A nossa chegada foi muito triste, lembro-me de que todos os parentes ali reunidos choravam muito, inclusive a nossa ex-escrava Rita, que chorava muito alto. Disse eu então à Carmosinha (irmã do Patrício): — A Rita quando chora, grita tanto!

Ali na casa de tio Felisberto ficamos até tia Miquita alugar uma casa maior, e fomos então morar com ela, na rua Trajano, onde hoje é A Modelar, quase na esquina com a Tenente Silveira. Fiz meus 7 anos em casa de tia Miquita, então na rua Deodoro, uma casa bem pequena. Ganhei alguns presentes dos parentes. Vovó mandou fazer um vestido novo para mim e para minha boneca grande, com fazenda que mamãe ainda tinha comprado para mim. Foi um aniversário ainda muito triste, como todos os outros meus aniversários. Eu nem gostava quando chegava perto esse dia, embora vovó depois procurasse fazer tudo para me alegrar. Ela, coitada, sempre procurou fazer todas as minhas vontades, mas eu era triste mesmo por natureza. Levei muito tempo que não podia ouvir uma banda militar, tinha vontade de chorar.

Vovó insistia em me levar a festas, principalmente a bailes, quando já tinha meus 12 anos, mas eu não gostava e ela dizia: — Tu não saíste a teus pais!

Quando tinha 14 anos, estávamos em São José na casa de tia Naninha, para assistir à chegada do bispo D. José de Camargo Barros, se não me engano era este o nome do bispo. Em São José era tudo festa, toda a cidade embandeirada, parece que pela primeira vez um bispo a visitava. Em casa de tia Naninha, então, o movimento era grande, pois se tratava de uma das principais famílias do lugar, fazendo aquela muitos doces, especialmente bandejas, como se usava naquele tempo, toda enfeitada de papel de seda picado, etc.

Bem, eu e vovó fomos para a praça em frente à Matriz, que estava na hora da chegada do bispo. A praça estava cheia, apinhada, não sei de onde sai tanta gente quando há festa em São José! Estávamos eu e vovó também ali em pé, quando chega perto de nós uma senhora que eu nunca vira e me diz de chofre: — Teu irmão morreu, não sabias? Eu não quis ouvir mais nada, saí correndo, atravessei a praça, atrás de mim a vovó; cheguei em casa de tia Naninha e desatei num choro sem eles em casa saberem de que se tratava. Tia Naninha estava em casa com as crianças e também se assustou bastante. Ela, quase se pode dizer, tinha criado Alamiro, pois quando ele nasceu a mãe já estava doente. Bem, quando tio Quincas chegou da festança e soube do caso, foi a casa da tal senhora para se informar melhor do que havia de verdade e de como teria sabido da morte de meu irmão. Ela morava na Praia Comprida e tinha um filho no Colégio Militar, mas Alamiro e Dalmiro já estavam na Escola de Guerra. Alamiro contava 18 anos quando faleceu! Essa senhora disse que lera a notícia num jornal do Rio que o filho lhe mandara justamente para que ela lesse a notícia da morte do amigo e colega. Cedeu o jornal para vovó ler: infelizmente era verdade. Teve muita falta de tato e sensibilidade essa pessoa, pois não se dá uma notícia assim a uma menina, de modo tão brusco.. Acabaram-se nessa hora as nossas festas de chegada do bispo; eu tinha ido lá também para tia Naninha me crismar e por isto até hoje não me crismei!

Quando voltamos do Rio, declarou-se a luta em Canudos e tio Conceição teve de seguir com o batalhão. Nova vida de apreensões e de sustos; as notícias naquele tempo eram muito escassas e contraditórias; lembro-me de que vovó e tia Miquita viviam em contínuo sobressalto. Até que tio Conceição ficou doente, com beriberi, tendo de vir embora. Chegou bem doente, sem poder andar, e os médicos recomendaram banhos de mar, e foi assim que alugaram uma das melhores casas do Estreito para passar três meses, mas gostaram tanto que ficaram onze anos. Não podendo ir para lá por causa de meus estudos, vovó alugou uma casa na Praia de Fora, perto de tio Fernandinho (pai de Patrício), seu irmão.

Em Canudos foi que o malvado (ou doente?) Moreira César teve o seu castigo, morrendo em combate (comandava as tropas legais), sendo abatido em cima do cavalo e tendo a cabeça enfiada num pau. Os jagunços o mataram. No mesmo ano em que mamãe faleceu, expirou também o Floriano. Seu corpo foi embalsamado e exposto numa vitrine. Lembro-me de que vovó saiu de casa com o propósito de cuspir-lhe na cara (por entre os vidros!); eu fui com ela, e aquele homem morto, fardado, muito me impressionou. Não pôde ficar muito tempo exposto, pois foi mal embalsamado. Diziam que os olhos ficaram pobres. Ambos os assassinos morreram cedo!

Quando completei meus 11 anos já estávamos morando com tio Adolfo, que tão logo pôde, veio para Florianópolis. Logo que aqui chegou, nasceu o Nelson (criança linda!) e logo depois o Osny, que também era muito bonito e sempre foi mais gordo e mais forte que o irmão. Quando eu tinha 11 anos, nasceu a Conchita, de quem vovó quis que eu fosse a madrinha. Sempre foi muito querida por ser minha afilhada e por sermos ambas as únicas netas de vovó. Depois nasceram outras meninas (dos tios Adolfo e Gentileta), mas não se criaram, morrendo com meses. Só muito mais tarde, vovó já tinha falecido, nasceram o Walter, que é da idade de Ezilda, e a Ilka, que regula com Dalmiro.

A casa em que Conchita nasceu ficava na rua 6 de Abril, mais tarde Visconde de Ouro Preto (hoje esse trecho tem o nome de Rua dos Ilhéus); era uma casa de sobrado, do velho Gama D'Eça, que morava na esquina, junto a nossa casa, onde hoje é a Sul-América, na Praça 15. Daí tio Adolfo foi morar em São José e nós de novo na Praia de Fora. Passei dos meus 8 anos até os 15 quase todos nesse lugar, pois tio Fernandinho morou muitos anos lá e eu fui criada, pode-se dizer, na casa dele.

Vovó gostava muito de passar um dia, dias e às vezes meses na casa dos parentes ricos, onde era muito querida, mas eu, logo que me entendi por gente, não gostava dessas visitas, embora todos fossem muito bons para mim e me tratassem com muito carinho. Eduardo Horn era casado com uma prima-irmã de vovó; este, sempre que eu ia à casa dele, me pegava no colo, me dava doces, frutas, me levava a passeio na chácara de sua casa, em que hoje está instalada a Associação Atlética Banco do Brasil. E ele me chamava de Giletinha, não tinha filhos e sua casa era um luxo extraordinário; foi ele o primeiro que aqui teve automóvel, 1911.

Visitávamos também outra prima, irmã de Alexina, senhora de Eduardo Horn, de nome Alice, casada com o Dr. Augusto Fausto de Souza, que também eram muito amigos de vovó, tendo sido Alice amiga de mamãe. Tinham muitos filhos, sendo a mais velha, Cecy, quase da minha idade, apenas um ano menos. Éramos muito amigas, estávamos sempre juntas, e eu passava muitos dias lá na casa deles, que eram muito ricos.

O pai do Dr. Augusto tinha sido Governador do Estado antes da revolução. Os pais de Alice e Alexina eram tios de vovó, mas eram moços, regulavam com a idade de vovó. Elas tinham mais duas irmãs, uma casada com o Dr. Ramagem (este nunca fez boa cara para vovó nem para parente nenhum), a outra, Adolfina, moça do nosso tempo embora oito anos mais velha, casou-se com Roberto Wendhausen. Com este casal poucas relações tivemos. Os pais, Francisco da Silva Ramos e tia Aninha, foram muito bons e passamos muitos dias na casa deles, onde eu gostava muito de ir, pois Cecy foi criada por eles.

Havia também os pais de Donato Mello, primos e muito amigos de vovó. Brinquei muito com Donato, embora fosse mais velho. Tinham três filhos de escravos, crias de casa, um deles encarregado de brincar com Donato. Quando este foi estudar medicina, os pais se mudaram para o Rio e levaram os três mulatinhos, que eram mais velhos que Donato e o acompanharam na cidade grande.

Na casa de tia Sinhazinha, viúva de tio Lulu e irmã do tio Chiquinho e do Dodô da Silva Ramos, era onde estávamos com mais frequência por ser ela cunhada de vovó e muito boa; era mãe de Alcino e Santinha; eu gostava muito de visitá-los. A casa era bastante alegre, sempre cheia de moços e moças, que tocavam piano, cantavam, etc. Tia Sinhazinha era também uma viúva rica.

Em casa de tio Felisberto, como já disse, passei a maior parte da minha infância e juventude, pois cheguei do Rio com 7 anos e, que me lembre, até os dezoito ainda passava dias lá, principalmente as festas da Semana Santa e do Senhor dos Passos. Tio Felisberto faleceu quando eu ainda era menina; foi criatura muito boa e paciente, não era rico, embora tia Henriqueta fosse de família rica, Ferreira de Mello, eram avós de Ilza (esposa de Dalmiro minha prima e cunhada).

Tio Janjão (João Floriano) também era muito bom. Gostava muito de todos esses tios. Ele não era rico, pelo contrário, lutou muito para manter a família; só tinha dois filhos, Joãozinho (pai de Aroldo) e Adelaidinha, mãe de Anísio, Nemésio e Arthur. Vovó também tinha uma irmã em Joinville (não a conheci), chamava-se Adelaide e era casada com Pedro Lobo. Nossa família era grande e muito unida, quase todos casados com parentes.

Com 17 anos, levou-me vovó ao Rio para visitar meu irmão Dalmiro, pois eu sentia muito estar longe dele, ainda mais que o outro irmão morrera. Fomos nos hospedar na casa de uma família muito amiga, a do Dr. Miranda, colega e amigo de papai. Foi o engenheiro que construiu o Quartel General na Praça da República (hoje não é mais o mesmo, é outro mais moderno). Na ocasião de nossa estada (1906/1907), ele estava construindo o Arsenal de Guerra, no Caju, e sua casa ficava ao lado e bem perto do cemitério. Eles eram muito bons, tinham só um filho, que gostou de mim e dizia que, se eu esperasse, vinha casar comigo. Mas tinha só 16 anos e era ainda estudante (de engenharia). Ele formou-se, casou e não foi bom filho, dando muito desgosto aos pais que o adoravam. A mãe faleceu em casa de tia Naninha porque eles não a quiseram em casa. O pai muito sofreu com isto e acabou seus dias em muita tristeza. Essa família tinha dois filhos: o mais velho, um amor de criança (nós tínhamos a fotografia) era o encanto dos pais, que o tinham destinado a casar comigo. Ele já me conhecia, por fotografia, como a sua noivinha e eu também, nos meus três anos. Essa criança faleceu, os pais ficaram desolados, a mãe nunca mais saiu de casa. O Dr. Miranda era um desses homens de caráter, competente e muito amigo de papai. Ele dirigiu a construção dessas duas grandes obras (Quartel General e Arsenal) e morreu pobre, sem nem uma casa para morar.

Gostei muito dos três meses que passei no Rio, pois meu irmão Dalmiro procurou me proporcionar muitos passeios, segundo as posses dele, que eram poucas, de vez que ainda estava estudando. Procurava me levar em casa de amigos de papai, como o Gen. Cordeiro de Farias e outros (trata-se do pai do atual General Cordeiro de Farias). Levou-nos a hospedar na casa de uma viúva de General cujos filhoseram colegas dele e muito amigos; essa senhora foi uma verdadeira mãe para Dalmiro. Veio com o marido da Guerra do Paraguai (era paraguaia), sendo muito bondosa, com dois filhos e uma filha da minha idade (Mariquinhas), então noiva de um viúvo também oficial do Exército e professor, talvez na Escola de Guerra. Esta era muito alegre e o noivo caladão e sizudo. Mais tarde, quando fui ao Rio para dar assistência à llza pelo nascimento de Alamiro, ela já havia morrido e a mãe estava hospedada em casa de Dalmiro com a netinha, filha de Mariquinhas.

A minha viagem ao Rio prendia-se também a outro motivo, ou seja, para me afastar por um pouco desta cidade, pois vovó não se conformava com o rumo que ia tomando um namoro meu com um rapaz sem habilitação nem estudo, com futuro incerto, segundo vovó achava. Rapaz simpático (suas iniciais eram CF), elegante, bom dançarino e muito estimado no Clube Doze de Agosto, em cuja orquestra tocava violino. Mas tinha um emprego muito modesto: oficial de ourives da Casa Mayer. Vovó implicou com o rapaz desde o começo e em parte ela teve razão. A família dele era numerosa, o pai já não trabalhava, pois era doente e morreu de câncer, a mãe fazia uma força extraordinária para que nos casássemos, chegou até a me convidar para madrinha da filha que nasceu nessa ocasião. Vovó, coitada, quase teve um ataque quando soube que eu seria a madrinha (o padrinho era o Pedrinho Silva, pai do Dr. Aderbal Ramos). A mãe de C.F. tinha por hábito convidar gente graúda para padrinhos dos filhos; quanto a mim, era porque desejava o casamento com o filho. Quando do batizado, a mãe achou por bem dar uma festinha íntima para me atrair à casa deles, mas a coitada foi infeliz, pois impressionou mal a aparência da casa, muito suja, os móveis quase nenhum, a sala nua e com umas cadeiras quebradas; fiquei um tanto desapontada, o rapaz envergonhou-se muito, o Pedrinho compareceu por obrigação e, tendo mandado uma bandeja de doces, logo se retirou. Vovó então nem se fala, tratou de sair dali quanto antes, e como nesse dia falecera o Dr. Mafra, deu essa desculpa para se retirar, e o baile acabou! A menina que eu batizei chamava-se Maria da Conceição (Lolinha) e faleceu tuberculosa; sempre procurei dar-lhe assistência, pois gostava da menina e tinha pena do seu sofrimento sem recursos. Quando fazia anos e pelo Natal mandava-lhe o meu presente e sempre a tratei com carinho. Estando mal na casa da irmã, fui visitá-la, mas não me levaram ao quarto, o que senti, pois ela gostava de mim. Morreu moça e eu já era casada.

Dias antes de embarcarmos para o Rio (1906), Patrício me chamou à parte, na casa dele, e me contou muita coisa contra o moço, que andavam dizendo dele, que nessa ocasião era empregado de um dentista e fotógrafo, sendo uma espécie de protético de hoje. Muito inteligente e hábil, logo se familiarizou com a arte de trabalhar em ouro e mesmo como dentista, tornando-se mais tarde um bom dentista, ganhando muito dinheiro. Eu me admirei muito de Patrício estar me contando essas coisas contra o C.F., pois sempre foi muito reservado e caladão em casa, e no momento não acreditei muito no que disse, nem fiquei muito satisfeita com ele. C.F., era de uma família de músicos, o tio era um grande maestro no Rio. Ele compôs uma valsa e pôs o meu nome, com letra da autoria do seu primo Álvaro Souza, composição muito bonita e que no Rio fez sucesso. Pois bem, fomos para o Rio, mas antes a mãe de C.F. (Dona Angélica) me escreveu uma carta dizendo estar muito triste com a minha ida, pensando que eu tinha desistido devido ao baile do último sábado (ele dissera que ia me pedir em casamento nessa ocasião, decerto ela soube disto).

No Rio ainda recebi a fotografia da nossa casa, que era onde hoje é o Ipase, com as crianças Conchita, Nelson e Osny em frente da mesma; a fotografia era grande, talvez 50 x 30 cm, vindo acompanhada de um cartão postal. Vovó não deixou que agradecesse, então pedi a minha amiga Glória, a quem escrevia, que agradecesse por mim, mesmo porque Dalmiro também já me falara sobre o namoro, dizendo não ser conveniente para mim tal casamento, e acabei concordando.

Quando voltei, já dei tudo por terminado e ele ficou com tamanha raiva de mim que nunca mais me cumprimentou. Estávamos perto de voltar quando recebemos a notícia da morte de tio Fernandinho, que faleceu de repente, tendo eu sentido como se fosse o meu pai, pois foi para mim um pai muito bondoso. Vovó também sentiu bastante, e logo viemos embora. Botei luto fechado.

Ao aqui chegar, outra surpresa dolorosa nos esperava: Tio Conceição havia enlouquecido. Há muito que vínhamos notando algo de anormal nele, que sempre fora muito correto e delicado, mas ultimamente vinha se excedendo, querendo fazer tudo com muita agitação. Entendeu de reformar a Capela do Estreito, e quando esta ficou pronta, deu uma grande festa, com missa, barraquinhas, prendas e um grande jantar para os amigos e parentes que vieram em grande número; mandou armar mesas na chácara de sua casa, arranjou a banda do Exército, ofereceu almoço e jantar a todos os músicos, tendo a banda tocado o dia inteiro. À noite dançamos, e tio Conceição estava agitadíssimo.

Mas o povo do Estreito não reconheceu esse grande trabalho que foi a reforma da Capela, que estava em ruínas. Não reconheceu porque a Capela era da Vera Cruz, segundo diziam eles, e tio Conceição mandou fazer um pedestal na rua e ali colocar a cruz; acharam que foi uma ofensa muito grande pôr a cruz na rua, uma cruz de madeira tosca. Tio Conceição tinha conseguido um santo grande e bonito para a Capela. Pois bem, o povo se reuiniu e tornou a pôr a cruz dentro da Capela, e com isto ele se ressentiu muito. Ele era alegre e gostava muito da dançar, frequentava o Doze e não perdia um baile; quando era baile de gala, fardava-se de grande gala com as suas muitas condecorações ganhas no Paraguai e em Canudos. Declarou-se a loucura num dia em que ele se fardou de grande gala e atravessou de lanchinha do Estreito para a cidade, assim vestido, coisa que ele nunca fez, pois desse modo ele só andava de carro. Seu quepe tinha na frente uma espécie de espanador vermelho e branco, de penas, e isto chamou a atenção de todos; dirigiu-se à Delegacia Fiscal e queria por força receber os vencimentos que havia recebido dias antes. Não houve nada que o demovesse da ideia, discutiu, brigou, até que compreenderam que ele não estava regulando bem e mandaram chamar o tio Adolfo para dar um jeito, pois era hora de fechar a Delegacia. A grande custo, tio Adolfo conseguiu metê-lo num carro, depois tomar a lanchinha e levá-lo para casa. No dia seguinte, estava louco furioso, quebrando tudo, e quatro homens não puderam contê-lo. Assim ficou quinze anos, isto é, não recuperou o juízo, mas calmo, inofensivo; cantava muito e dizia barbaridades, ele que sempre fora muito discreto no falar! Sua loucura era hereditária, tendo havido na família dele mais de dez casos.

Quando chegamos do Rio, vovó tratou de trazer tia Miquita para a cidade e fomos morar juntos. Nossa vida financeiramente melhorou muito, pois não pagávamos casa nem comida, mas quanto ao sossego de espírito foi terrível para mim por causa do filho único de tia Miquita, o Nestor, moço muito bonito, que se trajava na última moda, mas que nunca quis fazer nada na vida. Não estudava, embora frequentasse os melhores colégios, tendo até sido interno no Ginásio Catarinense, de onde fugiu diversas vezes atravessando a nado o canal entre a Ilha e o continente. Foi colocado interno num colégio em São José, e de lá também fugiu vindo a pé para o Estreito. Quando o pai enlouqueceu, tinha dezesseis anos, e então aí mesmo é que se desmandou, andando sempre metido em farras com os amigos, que tinham muito dinheiro. Ele chegava em casa sempre embriagado, às vezes lutando com os policiais que o traziam, quebrava vidros, ficava como louco, e eu, com o meu nervoso, já nem dormia mais, tanto que vovó resolveu alugar uma casa só para dormirmos sossegadas, mas também tia Miquita ficava só. Ela pagava um velho cunhado para cuidar, isto é, ajudar a cuidar de tio Conceição. E assim fomos levando a vida, até que vovó, resolveu ir de novo morar com ela, e Nestor parecia mais comedido em suas bebedeiras. Com dezoito anos roubou uma moça e casou, trazendo este encargo para tia Miquita.

Nessa ocasião resolvi aceitar o jovem I.C. por namorado, pois vovó o achava o marido ideal, rapaz de futuro, "fiel" do pai, que era tesoureiro do Tesouro do Estado e estava para aposentar-se, devendo ele ocupar a sua vaga, como de fato aconteceu. A família quase que andava comigo no colo, o rapaz era louco por mim, vivia atrás de mim que até enjoava. Vovó visitava muito os pais dele, e era cafezinho com bolinhos para cá e para lá. Estavam todos radiantes com esse casamento, ele só esperando a nomeação para fazer o pedido. Pois bem, vovó — coitada — sem querer foi a causa do nosso rompimento definitivo. Ela ficou muito doente e aceitou um convite que há muito tempo vinha fazendo uma sobrinha residente em Joinville (Alexina Lobo), casada com um deputado cuja casa era grande e bonita (hoje é a Coletoria Estadual). Vovó disse que não deixaria eu escrever nem responder as cartas dele, visto não ser noiva ainda. Concordei, embora já me considerasse noiva, pois usava a fotografia dele numa correntinha e ganhara um retrato em tamanho natural com expressiva dedicatória. Bem, embarcamos no Max (navio muito pequeno da Cia. Cari Hoepcke), pois para ir-se a Joinville naquele tempo era mais ligeiro e mais cômodo por mar. Desembarcamos em São Francisco, tomamos uma lancha e seguimos pelo rio, em viagem que achei maravilhosa. Gostei muito da casa de minha prima, sendo todos muito bons e incansáveis em proporcionar todo conforto e, além disso, assistência médica a vovó. Bem, o I.C. me escreveu cartões bonitos e chorosos de saudades, dizendo não saber como iria passar aquele mês, etc., que tinha ficado no trapiche até o vapor desaparecer, que até chorara (não sei se era verdade), mas ficou sentidíssimo com o meu silêncio, embora já soubesse que não iria escrever-lhe. À casa dele tinha chegado uma família com uma moça da minha idade (18 anos) que pareceu ter vindo no firme propósito de conquistá-lo e com ele casar-se. Ele já havia me dito que não podia nem parar mais em casa devido à tal lambisgóia, como ele o chamava.

Bem, eu voltei e achei-o muito sério, ressentido e acompanhando a tal moça em todos os lugares, evitando que eu os encontrasse. Se ia à missa das 8, eles iam à das 10h, e assim fui me irritando. Quis ir a um baile de aniversário de um clube de moços, o Concórdia, ele não deixou dizendo que não iria. Eu já estava cansada de desculpas e aborrecimentos e resolvi romper definitivamente; ele protestou, pedindo que acreditasse na palavra dele e declarando que o anel que usava com o meu nome continuaria em seu dedo e que eu podia usar o meu com o seu nome. Mas eu, que já não estava muito interessada nesse casamento, resolvi romper de uma vez.

Entre outros pretendentes, houve um que gostava de mim e estava esperando nomeação para o Telégrafo, era sobrinho de tio Conceição e por isto tinha entrada franca em casa de tia Miquita, onde morávamos. Tinha prestado concurso e aguardava nomeação para me pedir em casamento, mas eu nem estava ligando; bem ele foi nomeado para Porto Alegre, capital gaúcha, onde permaneceu mais ou menos dois anos. Quando de sua viagem, eu e vovó estávamos veraneando em São José; ao voltar, achei esquisito ele ter ido sem se despedir, nem por um cartãozinho, mas não dei importância ao fato, pois não estava interessada nele. Vovó é que o considerava o marido ideal para mim, moço bom, de família boa e já com o seu futuro feito, calculem! Os amigos dele, que eram também os de Patrício, diziam que ele os tinha deixado tomando conta de mim, e que muito se incomodaria se eu namorasse o Patrício, vejam! o medo deles era o Patrício... Pois bem, quando ele voltou, em trânsito para assumir o cargo numa cidade paranaense, eu, quase noiva de Patrício, estava me aprontando para casar. Ele chegou todo alegre, chamou-me, disse que queria conversar comigo e foi declarando que, se eu concordasse, naquele mesmo dia falaria com vovó e em 10 dias nos casaríamos e seguiríamos viagem. Levei tudo pelo lado da pândega e ele retirou-se meio brabo. Foi à sua terra natal (Tijucas) despedir-se dos seus e procurar noiva, que achou e com quem se casou em 10 dias, seguindo viagem para o Paraná. Muitos anos depois ele voltou, transferido para o Telégrafo daqui; antes já estivera aqui a passeio e nos visitara, ocasião em que eu esperava Ezilda e a esposa dele esperava uma menina que, mais tarde, foi colega de Ezilda e tiravam ambas sempre boas notas, junto com Nelly, irmã de Eglantina, que morreu mocinha. Joca vivia acompanhando os resultados dos exames das mesmas, até tomando nota num caderninho e, de vez em quando, vinha nos informar todo satisfeito. Quanto à esposa, diziam que era bonitinha, mas havia engordado muito e pouco saía de casa; não a conheci. Hoje, o colégio em que Fernando José estuda é dirigido por uma filha dele, Irmã de Caridade.

Num domingo, lá pelos idos de 1910, passeando pelo Jardim e tendo quatro entradas para uma festa no Colégio Coração de Jesus, a que ia assistir com o Nestor e a namorada, ali encontrei meu primo, Patrício e o convidei: — Queres ir a uma festa conosco? Ele aceitou prontamente. Patrício, desde esse dia, começou a frequentar nossa casa, e logo ficamos noivos. Vovó só teve que concordar, tia Miquita fazia muito gosto nesse namoro e nos protegia, bem como o Manequinha, marido de Maroquinhas. O I.C. continuou a me procurar e mandou ameaçar o Patrício de bater-lhe, etc. Patrício também o ameaçou: se ele não me deixasse em paz, quem lhe batia era ele. Quando fiquei noiva, I.C. tocou-se para Laguna, a pedir a tal moça em casamento (chamava-se Odete Pinho), mas ele nunca mais lá retornou e o casamento não se realizou, ficando ela solteira até hoje, se é que não morreu. Vovó acabou se convencendo de que Patrício era bom e gostava muito de mim, e ela já estando bem doente queria me deixar casada.

O nosso casamento foi uma aventura bem temerária quanto à parte financeira, pois ambos ganhávamos 120 mil réis por mês, e ele tinha mãe e irmãs para sustentar. Laércio estava em São Paulo e o máximo que podia mandar para a mãe eram 70 mil réis. Antenor era casado e nem dava para as despesas da família o que ganhava. Um mês depois do nosso casamento, vovó faleceu. Apressamos mesmo o casamento devido ao estado dela, ficando em casa de tia Miquita até solução do estado de saúde de vovó (tinha câncer), pois sabíamos que estava chegando ao fim. Ela, coitada, ainda viveu aquele mês e morreu tranquila, convencida de que me deixava bem amparada. Nesse tempo Nestor já estava casado e a esposa ganhou um filho no dia do enterro da vovó. Essa moça deu muitos desgostos à tia Miquita, era de família de condição inferior, muito malcriada, gostava de viver na cozinha com as empregadas, fazendo fuxicos; falava de mim e do Patrício por estarmos comendo as sopas do sogro, etc.

No dia do enterro da vovó, fomos para casa da mãe de Patrício; um mês depois morreu o Manequinha (marido de Maroquinhas), que já nem pôde ir ao nosso casamento. Sentimos muito a morte desse primo e cunhado tão amigo. Nessa mesma noite Patrício levou Maroquinhas para casa, só com a roupa do corpo, pois ele e todos nós estávamos apavorados com a tuberculose, que havia dizimado a família inteira de Manequinha, ao todo oito pessoas, porque não tiveram nada separado para não melindrar os doentes.

Maroquinhas tinha ficado sem um vintém de rendimento; Érico, outro irmão de Patrício, que estava empregado em Hansa, resolveu largar o emprego e vir para casa. O Aristides Mello, sempre bondoso, procurou por todos os meios conseguir que Maroquinhas recebesse o montepio, visto Manequinha ter falecido no mês em que foi criado o Montepio dos Funcionários dos Correios. Se não fosse este parente tão nosso amigo, ela não teria conseguido essa pensão. Antes, ele também tinha sido para tia Sinhá (minha sogra) um amigo muito dedicado. Ela lhe ficou devendo dois grandes favores que nunca se paga na vida. Conseguiu um dinheiro que tio Fernandinho tinha a receber e que nem tia Sinhá sabia. Mais tarde, quando eu já era noiva de Patrício, o Érico, que andava sempre metido em farras e pândegas, deu um tiro na perna de um desembargador sem-vergonha, que gostava de atrair rapazes para casa, mas que também era muito estimado por ser de família ilustre. Pois bem, em resultado, Érico ficou preso por três meses. Não foi para cadeia comum devido à família, e sim para o quartel da Polícia. Assim que soube disso, Aristides tomou a si a causa, advogou e conseguiu sua absolvição, não sem grande trabalho pois o advogado do velho também era bom e bem pago. Aristides provou que Érico estava embriagado; também o velho não morreu do tal tiro, embora tivesse passado mal. Aristides fez tudo isso sem visar lucro nem cobrar nada. Note-se que ele não era de visitar parentes, mas na hora "Fí" ele estava sempre ao lado de quem precisava dos seus préstimos. Assim que saiu da prisão, Érico foi para Flansa empregado, mas não ficou lá muito tempo, como já disse.

Esqueci de contar a vocês o caso de um dos namorados que arranjei, conto isto porque é engraçado, mas não aquela ocasião, pois me preocupou bastante. Eu tinha feito uma nova amiga, moça muito bonitinha, insinuante, de boa família, pois era Wendhausen. Desfiz-me toda em amores por essa mocinha (da minha idade, 16 anos), muito convencida, pensando que era por mim aquela amizade toda, mas era por causa de Patrício, de vez que ela estava apaixonada por ele e me procurava para se chegar mais a ele visto eu estar sempre em sua casa. Patrício, porém, deu o fora, disse-me que acabasse com aquele negócio de trazer recadinhose que ela era muito assanhada. Ela nunca mais me procurou. Bem, nesse tempo conheci um irmão dela, rapaz simpático, bem alto, num baile do Doze de Agosto, em que ele dançou muito comigo e acabamos namorados. Muito inexperiente, não perguntei a profissão do rapaz, só sabia que era de boa família, pois era Wendhausen, e que estava dançando no Doze, clube muito selecionado. Mas vovó, que estava alerta, quando chegamos em casa já estava de todo inteirada da vida do rapaz: era operário de uma oficina mecânica e sem instrução alguma. Acho que foi o Érico que, no clube mesmo, a informou. Para ela, namorar um operário era um escândalo inqualificável e levei um carão, ficando até proibida de cumprimentar o rapaz. Não discuti, que nunca discutia com vovó, mas fui para cama pensando como dar fim àquele namoro mal começado. Passei pedaços bem amargos, pois o rapaz mal largava o serviço aprontava-se todo e ia para a nossa rua e ficava para cá e para lá me espiando, e eu trancada em casa também espiando, a ver se ele desistia. Mandou a irmã saber algo, e eu não podia dizer a verdade sem ofendê-los. Mais tarde eu achava graça dessa minha complicação. Ele acabou sendo carteiro e com uma raiva de mim danada!

Bem, como já disse, no dia do enterro da vovó fomos para a casa da tia Sinhá, minha sogra para onde Maroquinhas também foi um mês depois e o Érico, que chegou sem emprego. Foi bem difícil esse pedaço, pois ao todo éramos sete pessoas, além da empregada. Lauro Linhares pagava a casa para elas, pois era irmão de tia Sinhá, mas com o nosso casamento ele suspendeu o pagamento (60$000). A casa ficava na esquina da casa do Lauro, hoje de propriedade de Bentinha Barbato, que a comprou e reformou. Patrício então resolveu criar coragem e falar com o patrão, Otto Ebel, para aumentar-lhe o ordenado, visto já trabalhar lá 12 anos e ser um empregado eficiente e honesto. Mas o homem foi duro e inabalável; disse que não aumentava, e Patrício, ressentido, despediu-se. Contava com Lauro para arranjar-lhe emprego na Casa Hoepcke, mas não teve êxito.

Depois de muito matutar para ver o que podia conseguir para Patrício, Lauro arranjou um amigo, Emílio Blum, para junto com Patrício abrir uma loja de fazendas e armarinho, aquele entrando com o capital e Patrício com o trabalho. Instalaram-se na Praia de Fora, na esquina das ruas Esteves Júnior e Bocaiuva, defronte ao jardim. Quando Ezilda nasceu, Patrício ainda estava desempregado, tia Miquita foi que comprou o enxovalzinho e eu fiz tudo muito engraçadinho, bem bordado e com muito carinho. Tia Miquita também fez todas as despesas do meu parto, que foi em casa, e nada me faltou, graças a Deus. Foram porém bem duros esses meses em que Patrício ficou desempregado, deixando-nos numa expectativa sempre crescente e nervosa. Assim que pude sair de casa fui passar um mês com tia Miquita, que morava numa casa onde hoje fica o edifício do Grillo, na rua Arcipreste Paiva. Quando voltamos para casa, Érico já recomeçara as suas farras e pândegas, chegando sempre fora de horas, embriagado, brigando com as irmãs e quebrando o que alcançava. Levantava-se no dia seguinte com ressaca e reclamava de tudo que botavam na mesa, chamando as irmãs de vadias porque não iam para a cozinha, etc. Patrício, que já não tinha dormido direito por causa dele, que fora cedo para a loja (6 h), acabava explodindo com ele; resultado: Patrício punha o chapéu, saía sem almoçar, e eu ia para o quarto também sem comer. Quanto a ele, almoçava muito bem e ia dormir novamente. Tia Sinhá, coitada, sofria tudo calada.

Resolvemos alugar uma casa na Avenida Rio Branco, também porque ficava mais perto da loja de Patrício, que era na Praia de Fora. Foi um período bom da minha vida de casada. Vivíamos muito satisfeitos. Dalmiro, meu irmão, veio batizar a Ezilda; veio só por 15 dias, pois estava numa comissão muito importante em Manaus junto com o Jango (João Batista Mascarenhas de Morais) e ido ao Rio em férias. No dia do batizado, realizado em casa de tia Sinhá, elas já tinham se mudado para a rua Tenente Silveira, ao lado do Clube Germânia. Fizemos uma festinha, Dalmiro ofereceu os doces, matamos uma perua. Convidamos os parentes. Nesse dia Dalmiro conheceu llza (minha prima, neta do tio Felisberto), que tinha 17 anos, era muito simpática, engraçada e levada. Dalmiro contava com 29 anos, moço simpático, oficial do Exército, carreira bonita. Sei que se apaixonaram e Dalmiro já não retornou a Manaus: pediu demissão da comissão, que Jango custara muito a arranjar e rendia muito, pois era na época em que Manaus estava no auge de sua grandeza devido à borracha; seus vencimentos eram pagos em ouro (tratava-se da questão de limites com a Bolívia e o Acre). Pois ele desistiu de tudo e mandou pedir a llza em casamento ao pai, que era estancieiro em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. No fim de alguns meses de noivado, resolveu ir ao Rio buscar seus papéis para o casamento, e a farda. Quando se pensava que ele estava viajando, aparece de volta: encontrara um colega a bordo e o encarregara de enviar-lhe as coisas de que necessitava. Depois que chegaram as encomendas e tudo estar em ordem para o casamento, llza pronta (eu estava esperando meu filho Dalmiro e não podia ir ao casamento), esperaram mais um mês, pois só então completaram os seis meses de noivado. Dalmiro nasceu a 6 de maio e eles casaram a 19 de junho; embarcaram dias depois e queriam por força levar o Dalmiro para criá-lo. Meu irmão ficou até brabo comigo porque estava contando com a minha concordância diante do futuro que poderiam dar ao menino. Mas como que íamos dar o nosso filho tão querido!

Quando Ilza estava esperando o primeiro filho (Alamiro), escreveu-me muito chorosa dizendo estar sozinha no Rio, sem parentes, sem mãe para cuidar dela, e perguntando se eu queria fazer as vezes da mãe e ir assisti-la no parto. Respondi que só iria com as duas crianças (Ezilda e Dalmiro — este com 9 meses) e Patrício, que nessa ocasião já tinha acabado com a loja na Praia de Fora, pois sem estoque e com muitos fiados não puderam continuar o negócio. Ela ficou muito satisfeita e disse que Dalmiro arranjaria emprego para o Patrício lá; mandou-me não só as passagens como também dinheiro para me aprontar e as crianças. Levei também a empregadinha, a babá. Na hora do nosso embarque, parecia que morrera alguém, todos choravam e não aprovavam mesmo a nossa ida. Nessa ocasião já estávamos de novo morando com tia Sinhá, pois esta estivera passando muito mal e precisavam de Patrício em casa.

No Rio, desde que cheguei fiquei enjoada, passei muito mal na viagem, e o enjôo continuou, então vi que estava grávida novamente, Ilza não sabia o que fazer para que eu melhorasse, tudo que comia vomitava. Dalmiro arranjou um emprego para Patrício numa casa de comércio muito forte, a Casa Açucena: tio Adolfo já tinha sido empregado ali. Pagavam relativamente bem para a época, parece que 600 mil réis e almoço. Patrício saía de casa às 6 da manhã e só retornava às 9 da noite para jantar. Eu logo vi que não era possível ficarmos: pois se fosse aqui em Florianópolis o emprego seria ótimo, mas não no Rio, onde os aluguéis das casas eram bem mais caros, a vida também era cara, tinha a condução de bonde, etc. E eu ficaria sozinha o dia todo com duas crianças, em vésperas de três. Assim, resolvemos voltar logo que llza ficasse boa. Dalmiro ficou aborrecido, dizia que eu preferia mais estar perto de meus parentes maternos do que perto dele, que éramos só nós dois, etc.

Ilza passou muito bem; Alamiro era uma criança gorda e forte. Ela teve a criança em casa mesmo, e quando completou um mês viemos embora. Patrício foi convidado pelo Antoninho Linhares, que possuía muito dinheiro e uma charutaria, além de uma fábrica de cigarros, na rua João Pinto, junto ao Tesouro do Estado, a tomar conta de uma casa de brinquedos que pretendia abrir. Ele aceitou e ficamos todos muito contentes. Para equipar a loja. Patrício teve de ir diversas vezes ao Rio. Era uma loja muito interessante, única no gênero aqui, mas o local era péssimo, lá perto da charutaria.

Nessa ocasião Aderbal nasceu. Depois de muito nos incomodar, Érico fora para fora, arranjou um emprego, mas não durou nem um mês; quando pensava que ia ter a criança sossegada, eis que ele entra sem ninguém esperar. O abalo que tive foi terrível, nem sei como não tive a criança naquela hora! Ele continuou nas farras e bebedeiras, querendo que Carmozinha ou a mãe lhe dessem dinheiro, etc. Assim ficamos até que Laércio, irmão do Patrício, já casado, veio passar uns meses de férias em casa; eles já tinham o Jócio, que era da idade de Aderbal (diferença de 15 dias) e Josefina esperava o Eido e eu Helena para o mesmo tempo. Morávamos na casa da rua Tenente SiIveria, junto ao Clube Germânia. Aderbal era uma criança linda, interessante, muito alegre, gorda e grande; Dalmiro era bem mais miúdo e da mesma altura dele; Jócio era gordinho e brincava com uma caixa de botões o tempo todo. Aderbal chegava, espalhava os botões e derrubava o primo. Aderbal era muito querido por todos, tia Sinhá gostava muito dele, que era também muito agarrado à Maroquinhas. Laércio brincava muito com ele; assim que Laércio chegava, ele se agarrava em suas pernas para pular e, coisa de que gostava imensamente, ser jogado ao alto e cair nos braços do tio. Laércio escrevia, nos jornais, todos os dias, um comentário sobre o tempo, acompanhado sempre de uma crônica; certo dia saiu um escrito sobre o Bal — uma criança linda, querida de todos, principalmente de sua vovozinha, e muita coisa que não decorei; eu tinha guardado esse recorte de jornal A República, mas se perdeu. Eu achava este meu filho lindo; Patrício até caçoava comigo: Estás apaixonada pelo teu filho! Tinha três anos quando faleceu; todos os recursos foram inúteis. O médico assistente era um alemão. Fizeram-se duas conferências com os Drs. Ferreira Lima e Araújo, mas nenhum descobriu o que meu filho tinha. Adoeceu no dia em que completou três anos e esteve doente um mês: Faleceu a 25 de novembro de 1917.

Parei de escrever estas notas em maio (1961) e agora, em agosto do mesmo ano, continuo. Há muito que não vinha contar a vocês pedaços da minha vida. Vou abrir um parêntese para dizer como fiquei satisfeita e muito comovida por ter o João Machado se lembrado de pôr o nome de Patrício na rua que ele está abrindo em Capoeiras; é uma homenagem sincera que faz a quem foi tão humilde na vida, mas sempre soube ser amigo de seus amigos e espalhava bondade, amor, caridade, sem ostentação e sem alarde, sem esperar recompensas, reconhecimentos, favores ou agradecimentos. Vocês filhos, devem sentir-se orgulhosos desse pai que tiveram, que tão bem sabia cumprir os preceitos de Cristo, o qual ensinava: Não saiba a tua mão direita o que faz a esquerda. Dou graças ao bom Deus, todos os dias, por vocês terem herdado este caráter, esta bondade e todos os predicados que ele possuía. Muito obrigado, pois, ao João Machado que, rendendo essa homenagem ao pai de vocês, me proporcionou tanta alegria, tanta comoção ante essa lembrança que honra aquele que em vida foi tão bom, tão humilde e modesto! Que todos os filhos, na ocasião da inauguração da placa com seu nome, saibam expressar como eu desejo, quer seja o Fernandino ou o Almiro, todos são dignos de falar nessa homenagem em nosso nome, graças a Deus! Todos sabem viver a vida que seus pais viveram, esta é a minha maior felicidade, é a maior alegria de minha vida!

Agora me sinto completamente feliz! Embora haja uma lacuna entre vocês, aquela que se foi e que também soube honrar e dignificar o nome de seus pais. Sinto-me feliz porque tenho vocês, e agora posso subir à Casa de meu Deus para agradecer tantas bênçãos, contente, sem tristeza nem aborrecimentos, pois sempre achei que a Casa de meu Deus é um lugar para a gente se sentir alegre e feliz; graças a Deus que ainda pude gozar deste privilégio.

Hoje, 19/08/1961, Deus me deu novos motivos para me sentir alegre e feliz: um de vocês, o Lauro, é nomeado Delegado do IPASE. Uma promoção, um posto de honra que me faz muito orgulhosa de vocês, sentindo que o pai não possa compartilhar desta alegria! Lauro assume hoje o cargo de Delegado, lugar que não pleiteou; ele não é político, como graças a Deus nenhum dos meus filhos é, somente é udenista. Tenho certeza — Lauro — de que as glórias desse alto posto não te farão mudar de pensar, que continuarás ser simples, bom, como tens sido até agora. És moço ainda, muito terás a fazer pelo engrandecimento desta terra, do nome que usas, para a tua extremosa esposa, queridos filhos, tua velha mãe e queridos irmãos (sejam sempre unidos para a minha alegria e felicidade). Fernandino estará também ganhando seu quinhão de alegria e orgulho, pois foi um pai para ti. Que Deus abençoe a todos vocês e os conserve sempre unidos, mesmo depois que eu daqui me for!

Há muito não escrevo estas notas contando a vocês pedaços da minha vida; parei ao mencionar a morte do Aderbal. Muito sofri então – eu era moça, contava com 28 anos --, nunca mais senti alegria completa e custei muito a me reanimar; mal sabia eu que muito mais tarde sofreria um golpe bem maior com a morte de outro de vocês! Hoje estou triste e é melhor não escrever nada, vocês ficariam tristes também.

Agora, vou continuar a minha conversa. Como disse, esperava Helena em abril e Josefina o Eido no mesmo mês. Helena nasceu a 8 de abril e Eldo a 1º de maio. Ganhamos em casa mesmo, como aliás todos vocês, pois só no ano que Almira nasceu se inaugurou a Maternidade Dr. Carlos Correia, a primeira da cidade, graças aos esforços de Joãozinho Caldeira e Antônio Pereira e Oliveira, então Governador do Estado e cunhado daquele. Passei muito bem, como sempre. Logo que me levantei, oito dias depois, tratei de ceder o meu quarto para Josefina, por ser o melhor da casa (imaginem: não tinha janela!), que ficava na rua Tenente Silveira junto ao Clube Germânia. Uma casa grande e boa! Quando Eido tinha dez dias, nos mudamos para a rua General Bittencourt, a casa era novinha, tinha quartos com janelas, instalações sanitárias e pias no interior. Laércio, que esperava ir novamente para São Paulo, pois era telegrafista e estava lotado lá, foi transferido para cá. Aí resolveram que ele ficava morando com a mãe e irmãos e nós iríamos morar sozinhos, pois — dizia ele – já tínhamos aturado muito e sofrido demais as bebedeiras de Érico. Então houve um protesto da parte da tia Sinhá, Carmozinha e Maroquinhas, que não queriam que nós saíssemos de jeito nenhum, pois estavam muito agarradas com as minhas crianças; mas eu e Patrício já tínhamos sofrido muito mesmo: Érico ameaçando matar Patrício, eu sem dormir, com medo; vivíamos apavorados, pois no almoço quase sempre Érico, que levantava nessa hora, ainda com ressaca, fazia um grande barulho, achando tudo mal feito e chamando a empregada de porca e as irmãs de malandras. Depois de muitos debates, reuniões em família (até o pessoal do Lauro Linhares participou, a Adelaide veio falar comigo pedindo que eu não saísse, pois tia Sinhá sentiria falta das crianças, e dizendo que Érico tinha prometido se emendar) eu concordei mais uma vez; Patrício também tinha pena da mãe. Laércio mudou-se.

Só hoje, 15 de junho de 1962, venho escrever mais um pouco para vocês. Como disse, concordei mais uma vez em ficar, pois tia Sinhá vivia martirizada e as cunhadas Carmozinha e Maroquinhas eram muito minhas amigas, mas não durou muito e logo recomeçaram as bebedeiras e farras do Érico, que ameaçava matar o Patrício. Eu não dormia nem mais almoçava na mesa, não saía da sala, com Helena de dois meses ao colo, de vez que Érico, com a ressaca, queria quebrar tudo; a empregada das crianças, mocinha muito boazinha, me disse que ia embora. Estava eu nesse desespero, com quatro filhos pequenos, quando Patrício foi falar com Laércio e lhe disse que não podia mais me fazer sofrer. Laércio achou razoável e disse que eles também teriam que aguentar um pouco. Assentindo, Josefina declarou: Comigo ele vai andar direitinho. Pois bem, trocamos de casa: fomos para a deles e eles vieram para a de tia Sinhá; sem móveis, com pouco dinheiro, mas desde esse dia me senti como no céu, muito feliz. A casa é hoje do João e Olga Rosa, mas naquele tempo era só térrea. Laércio suportou apenas dois meses!

Bem, Érico, com a vida que levava, não tardou a contrair malária e daí à tuberculose foi um passo. Quando ele faleceu, um ano depois, Patrício quis levar a mãe e irmãs para casa, mas Laércio não concordou, disse que elas continuariam onde estavam e que ele se responsabilizaria pelas despesas. Patrício tinha dito que mesada para elas não poderia dar e que, morando conosco, era um aluguel a menos. Carmozinha logo arranjou emprego na Escola Normal (professora de costura) e moraram muito tempo numa casa da Rua Fernando Machado. Voltaram depois para a casa de Laércio onde Carmozinha e tia Sinhá faleceram.

Patrício e irmãos sempre frequentavam, como eu, o Doze, desde criança, pois meu sogro, tio Fernandinho era um dos sócios mais antigos. Eles dançavam, não perdiam baile, só Laércio é que foi preciso se fantasiar, pôr máscara, para perder o acanhamento; suas primeiras marcas foram dançadas comigo. Pois bem, tudo isto eu e Patrício abandonamos depois de ficarmos noivos, sem haver combinado. Casados, metemo-nos dentro de casa criando vocês e fazendo tudo para que nada lhes faltasse, mesmo porque queríamos fazer de vocês homens e mulheres dignos do nome que levavam, bons cidadãos, bons crentes, bons filhos. Tudo isto, graças a Deus, consegui, embora tenha ficado sozinha grande parte da jornada; o pai, como eu, devia se orgulhar de vocês. Para conseguirmos isto, que não era fácil, tivemos de largar mão da sociedade em que vivíamos, que os nossos recursos não permitiam. Não nos custou, pois a sociedade já nos apavorava naquele tempo. Vendo o sofrimento de tia Sinhá — que nunca teve boca para recriminar os filhos — tinha um medo horrível de ver um de vocês na mesma desgraça, preso ao tão triste vício. Fiz o que pude para evitar bebidas em casa e para que vocês não a tivessem com facilidade em diversas casas de parentes. Tudo era motivo de festas, que eu não condeno senão pelo fato de oferecerem tais bebidas às crianças. As maiores datas que festejavam eram Natal, São João, Sexta-Feira Santa (quando havia jantares com muito peixe, principal mente grandes garopas). Aos casamentos das filhas de Lauro Linhares nós fomos a alguns, e vocês devem lembrar-se, isto é Dalmiro e Helena. Eu ficava horrorizada vendo Antonieta (mãe de Celso e Fernando) não só deixar eles tomarem bebidas como também achar graça nisso, ela que sofria na carne os males de tão malfadado vício.

Em casa de Dalmiro (meu irmão) eu sempre ia no dia seguinte com vocês, isto é depois das datas aniversárias. Uma vez aconteceu o seguinte: Dalmiro era deputado e sua casa vivia cheia de deputados, uns até eram hóspedes, lisa, sempre levada, para me atrair lá, mandou-me um bilhete dizendo que Dalmiro estava passando mal e pedia a minha presença; era domingo e estávamos nos aprontando para a Escola Dominical quando recebi o tal bilhete; bem, Patrício disse que eu fosse lá, enquanto ele ia com as crianças à Igreja. Ao chegar, ela me recebeu rindo e dizendo que só assim eu iria lá, que era falsa a notícia e que Dalmiro tivera uma pequena indisposição. Fiquei para almoçar e os hóspedes se admiraram dele ter uma irmã aqui em Florianópolis, um deles até era meu parente, Caetano Costa; a casa à tarde ficou cheia de deputados e todos estranharam que eu fosse irmã de Dalmiro. Vou contar o que depois ocorreu para vocês verem como aborreço essa alta sociedade: quando eles saíram, eu disse para Dalmiro: Pouco se aproveita da conversa desses enfatuados; deles todos, para mim, só se salvam dois: é o Sr. Bley Neto (também hóspede) e o outro é o Caetano Costa, que por sinal é nosso parente. Ele riu-se, se achou que eu tinha razão, não sei.

Hoje quero contar mais alguma coisa relacionada com a vida de minha tia Miquita (irmã de minha mãe), embora já tenha me referido nestas memórias, por diversas vezes, a ela e ao seu marido tio Conceição (que morreu louco).

Vou relatar, primeiro o episódio das coisas sobrenaturais que aconteceram na casa de tia Miquita, um mistério que até hoje ninguém explicou apesar de três religiões terem procurado estudar, pesquisar etc. Os espíritas afirmaram tratar-se do espírito de um soldado que meu tio Conceição punira por faltas disciplinares na Guerra do Paraguai, explicação que não convenceu a ninguém, ainda mais que meu tio estava louco e inofensivo, com 83 anos, jazendo há muitos anos numa cama. O pastor protestante, Rev. Júlio Nogueira, falou em metafísica e outras teorias, mas também não convenceu a ninguém, enquanto os padres recomendaram que se mandassem rezar missas para afugentar espíritos maus, não convencendo igualmente.

Pois bem, os fatos se passaram do seguinte modo: a primeira manifestação de coisas inexplicáveis ocorreu com o Nestor, filho único de tia Miquita, quando chegou para almoçar. Foi até o quarto e trocou a roupa pelo pijama, voltando à sala de jantar para a refeição. A casa é a mesma que ultimamente foi ocupada pela Biblioteca Pública, na rua Arcipreste Paiva, pertencente à família Caldeira de Andrada desde muitos anos; naquela ocasião pertencia a Fernando Caldeira, pai de Maria de Lourdes, esposa do Dr. José Ferreira Bastos, falecidos todos. Propriedade hoje dos herdeiros destes, a casa está em ruínas, sendo um imóvel condenado. Terminado o almoço, Nestor dirigiu-se para o quarto, que ficava na parte da frente e para nele se chegar era necessário atravessar um corredor comprido. Ali encontra, surpreso, a calça de casemira azul-marinho, a mesma que ele deixara perfeita há pouco mais de meia hora, descosida nas quatro costuras, todas presas só pelo cós; ficou espantado, pois ninguém poderia descosturar tão bem em tão pouco tempo!

Como disse, este foi o primeiro acontecimento sobrenatural. Nesse mesmo dia, mais tarde, ao passarem pelo corredor e olhando para dentro de um quarto que ficava no meio, viram um monte de roupas descosidas no chão, eram roupas novas da esposa do Nestor e dele também. Na casa moravam o Nestor, esposa e 4 filhos, sendo três rapazes e uma garotinha de meses, além de uma neta do tio Conceição chamada Gillette porque o pai era muito amigo do meu e foi o mesmo que, com 17 anos ajudou a tratar da mamãe por ocasião da moléstia de que veio a falecer, e por este motivo sempre dediquei muita amizade a ele e ele a mim a ponto de batizar a primeira filha com o meu nome. Faleceu ainda moço e deixou a viúva e três filhos, pobres; Gillette estudava na Escola Normal e morava com a tia Miquita. Ela chegou a ser professora e morreu cedo, tuberculosa, assim também os irmãos e uma cunhada. Pois bem, as roupas descosidas e desaparecidas continuaram a suceder. Um dia estava eu a fazer um chapéu para Helena na sala de visitas, pois estava passando o dia lá na casa da tia Miquita, quando me chamaram para jantar; então deixei a sala largando o trabalho em cima da mesa. Quando voltei, cadê chapéu? Ninguém havia entrado nem saído. Fiquei nervosa; embora todos procurassem, do chapéu nem sombra... era de papel crepom e estava se usando para meninas. Passados alguns dias e enquanto a empregada arrumava a sala, o chapéu caiu de trás do retrato de minha avó (quadro de parede) para espanto da doméstica. Está visto que eu não quis mais saber de acabar o tal chapéu!

Assim foram se sucedendo os casos de coisas desaparecidas que dias depois reapareciam. A empregada, cozinheira de muitos anos, certa vez engomou um vestido branco para ir a um baile naquela noite e depois o pendurou numa corda junto ao forro do quarto. Quando foi se aprontar, não encontrou mais o vestido ... a coitada chorou muito, pois não pôde ir ao baile, mas ao fim de alguns dias, fechando a porta do quarto, o vestido caiu de trás da porta, sem esta ter sequer um prego, engomadinho e perfeito! Não se explica, não é? De outra feita, estando a nora de tia Miquita aprontando a máquina para coser no quarto daquela, que era muito grande, saiu para buscar a tesoura, pois quando voltou a sentar-se e foi acionar a máquina, esta não funcionou por faltar a correia, que ela procurou por toda a parte e não achou. Quando a filhinha acordou, ela foi mudar a fralda da criança e eis que dentro encontrou a correia da máquina bem enroladinha! Nunca mais a criança ficou sozinha.

E os montes de roupa rasgada continuaram; Santa, a nora de tia Miquita, ficou sem roupa para sair (e era muito passeadeira). Um dia, preparou-se, arrumou a menina, ia ver uma procissão na Praça 15. Ao procurar os sapatinhos da filha de 6 meses, quê dele? Chorou, escabelou-se, mas os sapatinhos então não apareceram, só dias depois não sei onde. Dizia-se que era a Santa mesmo ou a empregada que faziam essas maldades, mas como, se elas próprias eram também prejudicadas? Uma vez a Santa mandou pedir emprestado um vestido ("tailleur") da minha cunhada Ilza, madrinha da menina. Ilza chegara há pouco do Rio e trouxera esse costume novinho. Tendo deixado o vestido em cima da mesa de jantar para ir buscar um papel ou outra coisa qualquer, ao voltar não mais o encontrou! Ficou doida, pois nem era dela o vestido... llza ficou aborrecidíssima, porém ninguém tinha culpa. Doutra vez, Santa entra no quarto e dá pela falta do berço de palha da menina. Ela passou a guardar na minha casa algumas coisas melhores, ideia de que não gostei embora não dissesse, mas felizmente não aconteceu nada, as coisas ficaram no lugar. Uns quinze dias depois acharam no porão da casa o berço e o vestido dobradinho.

Às vezes, tia Miquita estava só em casa (tio Conceição na cama, doente) e ouvia grande barulho na sala de jantar, corria a ver o que era, pensando até fosse o tio Conceição que tivesse caído da cama, mas o que encontrava eram pratos quebrados, despencados do armário, vasos com flores plantadas que ficavam sobre colunas, tudo no chão, em cacos. A vizinha Dulce Livramento e a mãe me contaram que certa noite estava a tia Miquita na janela e a empregadinha sentada na soleira da porta da rua quando se apagaram todos os bicos de luz; minha tia mandou logo a guria chamar o encarregado do plantão de luz, na Praça 15, o qual logo chegou e apenas mexeu nas lâmpadas todas elas acenderam! Curioso é que tia Miquita não tinha medo algum (eu à noite não ia lá nem à força!).

Um dos últimos fatos fantásticos foi o desaparecimento do casaco de seda preta de tia Miquita, o único de seus pertences que "eles" mexeram; levou uns dias sumido, depois caiu de trás da janela do quarto dos meninos. A última coisa foi o fogo. Sentiram cheiro de queimado no quarto de Gillette ou das crianças, não sei bem, foram ver, estava pegando fogo no colchão. Aí a coisa começou a ficar muito séria. Nisso, porém, tio Conceição, que já estava muito fraco, não quis comer mais nada e logo faleceu. Na mesma noite levamos tia Miquita e Gillette para a nossa casa em frente à Igreja Presbiteriana, e acabaram-se os casos assombrosos.

Nessa ocasião, tia Miquita alugou uma casa pequena para a família do filho, Nestor, que já tinha 4 filhos e que resolveu sentar praça na Polícia com promessa de ser logo promovido a sargento, sendo destacado para o interior do Estado. Ele seguiu viagem levando consigo uma moça bonita, filha de família, mas leviana. Pouco tempo depois, tendo feito amigos iguais a ele, estes promoveram um jantar, penso que para comemorar sua chegada. Nestor e a tal moça fartaram-se de comidas e bebidas, e no fim os amigos aplicaram-lhe uma injeção, vindo ele a falecer na mesma hora. Disseram que os amigos queriam fazê-lo dormir para fugirem com a sua bela companheira. Nunca se soube ao certo, nem ninguém se meteu nisso, nem soubemos mais da moça em questão. Coitado, descansou, e descansou a mãe e toda a família. A mulher e os filhos, tia Miquita continuou a amparar, mas não tinha muito, pois ficou reduzida a um saldo de 160.000 réis, de vez que o marido não entrara para o montepio dos militares, que só foi instituído quando ele já era velho. Não sendo o montepio obrigatório, e como ele tinha de entrar com os atrasados, não pôde fazê-lo, mesmo sabendo que ia deixar a família em má situação. Coitado, ele era bom, de certo já estava com as ideias transtornadas, pois era excelente pessoa, tendo procurado internar o Nestor nos melhores colégios, primeiro em São José, de onde fugiu e veio a pé até o Estreito, diversas vezes, depois aqui no Ginásio Catarinense, de onde também fugiu atravessando a nado o Canal do Estreito. Deveria ter uns 11 ou 12 anos quando dessa última fugida. Quando o pai enlouqueceu, vieram todos morar na cidade, e então ele se meteu em farras, bebia muito, não trabalhava, tirou uma moça de casa, também criança, e tia Miquita teve de dar ordem na Polícia para o casamento (ele contava 18 anos). Aí o caso complicou para o nosso lado e, como vovó continuasse bem doente, resolvemos eu e Patrício nos casar. Vovó adoeceu no dia do nosso casamento, de modo que ficamos em casa de tia Miquita até vovó falecer, pois não tinha coragem de deixá-la naquele estado. No dia em que vovó faleceu, um mêse dias após o nosso casamento, fomos para a casa de tia Sinhá (minha sogra), onde íamos morar.

Tia Miquita, depois do falecimento de vovó, alugou uma casa perto e logo também se mudou com o filho, Nestor, a nora e netos. O primeiro filho do Nestor nasceu no dia 21 de fevereiro de 1911. Santa (a mulher de Nestor) ainda ganhou mais 2 rapazes e uma menina, Zelma. Quando enviuvou, foi para São Paulo. Sua irmã, moça de muito juízo, levou a sobrinha Zelma, para sua casa quando a mesma estava se pondo mocinha. Lá ela casou com um senhor muito estimado, dono de táxi. Vive ainda e já tem netos moços, sendo que a mãe veio acabar seus dias na casa deles, pois o Sr. Carminatti é muito bom. Zelma nunca nos procurou. Dos rapazes, o mais velho era igual ao pai e quase sempre estava preso, o segundo bateu muito a cabeça e andou dizendo que tínhamos ficado com o dinheiro da avó, que a nossa casa foi construída com dinheiro dela, etc., até que Dalmiro lhe disse: "Olha aqui, rapaz, se queres alguma coisa da tua avó, vai lá em casa, que papai tem a conta dos funerais dela, talvez tu possas pagar". Ele ficou quieto e nunca mais nos incomodou. Quando tia Miquita era viva, eles muito a incomodaram, vindo procurá-la, às vezes nas ocasiões em que eu e Patrício saíamos para a Igreja. Numa dessas visitas, o mais moço fez a avó dar-lhe uma pulseira de brilhantes. Ao chegarmos do culto, ela não disse nada, coitada, só disse que o Oscar tinha estado lá. Eu nem falei nada, mas sabia que só a procurava para pedir dinheiro, mas longe de desconfiar que eram as joias da avó que ele pretendia. Esse neto de tia Miquita tinha um "lustrozinho", pois Laércio tinha arranjado para ele frequentar um colégio agrícola protestante. Só vim a saber da joia quando ela faleceu e fui separar os seus pertences; encontrei vazia a caixa de veludo da pulseira e tive um choque, pois estava guardando ou fazendo-a guardar para entregar à neta, Zelma. Juntei o anel de brilhante, outro de coral, um fio de ouro e algumas coisas de valor e mandei para ela, em Lages, pelo Alcindo Caldeira, que era promotor lá, para entregar em mãos. Até que acabei esta parte, bem enfadonha para mim, tendo de recordar coisas tristes!

Vou agora abrir um parênteses para falar de uma pessoa muito querida: João Batista Mascarenhas de Moraes (Jango), para mim quase um irmão. Conheci-o por intermédio do meu irmão Dalmiro; a amizade que os unia era de irmão para irmão. Estudavam juntos, moravam no mesmo quarto e a roupa deles era comum. Fui apresentada a ele quando estive no Rio acompanhada da minha avó, aos 17 anos, mas já o conhecida muito de nome, de tanto meu irmão falar nele. Aprendi também a amá-lo como a um irmão. Mais tarde, quando se formou, já oficial, passou por aqui a caminho de São Gabriel (sua terra natal) viajando num paquete que aportou em nossa capital, como aliás todos os navios que se dirigiam ao sul, para se abastecerem de víveres e água. Avisada pelo Dalmiro, minha avó pediu a um dos sobrinhos para buscá-lo a bordo e aprontou um almoço gostoso de peixe e camarão; ele almoçou conosco, mostrando-se muito grato pelo bom acolhimento e gentilezas de que foi alvo. Era uma criatura simpática, amável, bem simples, enfim uma pessoa excepcional. Ia visitar os pais, no Rio Grande do Sul, pessoas simples, sem fortuna, mas de corações sinceros e bons. Tencionava, também, ficar noivo de uma moça que deixara em São Gabriel ainda menina e que ficara esperando por ele durante todo o tempo de seus estudos. Eu e vovó ficamos bastante satisfeitos com essa visita. Quero lembrar, também, que ele usou o anel de engenheiro que pertenceu a meu pai, por oferecimento de Dalmiro, meu irmão, pois o Mascarenhas obtivera melhores notas no Curso que ambos fizeram.

Passados muitos anos, já então tinha o Jango voltado da 2º guerra mundial, em que atuou como Comandante-Chefe da Força Expedicionária Brasileira, visitei-o com Dalmiro em sua casa na rua São Francisco Xavier, no mesmo bairro em que morava meu irmão, tendo apenas de atravessar a praça. Nessa rua também morava o Eido, na ocasião. Jango tinha dois filhos, uma moça que estava desquitada nessa época e um moço, oficial do Exército, que há pouco fora assassinado pela própria esposa. O casal estava bem abatido, mas não se tocou no assunto. Os jornais, como não poderia deixar de ser, só se ocupavam desse crime tão bárbaro e mais ainda por ser a vítima filho de quem era. O crime se verificou após um desentendimento do casal, devido ao fato, dizia-se, dele ter outra mulher. A esposa ofendida esperou-o à porta do edifício em que ela morava, alvejando-o com tiros de revólver quando dali saía. Ele morreu na hora. Calculem como repercutiu em todo o país esse crime! Os jornais e revistas da época muito badalaram, era quem mais podia publicar notícias e fotos; O CRUZEIRO muitas fotografias publicou e grandes reportagens, não sei se vocês se lembram do caso. A casa de Jango e a rua viviam cheias de repórteres, todos querendo ouvir os pais do assassinado e colher fotografias e impressões sobre o crime, principalmente desejando saber se acusavam a nora, mas eles a todos respondiam que não tinham nada a dizer. — (Ela é mãe de meus netos!) Os jornalistas saiam descontentes, frustrados. Acho que a ré foi condenada, mas logo posta em liberdade. Quanto ao anel de papai, Jango o usou até ser promovido a marechal, que obriga ao uso de anel diferente, devolvendo-o ao Dalmiro. Eles faleceram bem idosos, antes do meu irmão, e o dito anel de engenheiro pertence hoje a minha sobrinha Marina, filha do meu irmão Dalmiro. É uma joia muito bonita, com uma pedra azul-claro (safira) rodeada de brilhantes, tendo a pedra no centro estrelinhas também de brilhantes. Por ocasião da minha visita, Jango me ofereceu um livro de sua autoria sobre a campanha da FEB na Europa, com uma dedicatória simples mas muito expressiva. Obrigada, querido Jango! Esse livro Fernandino tem guardado. Conhecei também uma tia dele muito agradável, que nos ofereceu um lanche quando fui ao Rio aos 17 anos; Jango e Dalmiro estavam presentes.

Tenho muito ainda a contar a vocês, pois não falei em nossa conversão a Cristo Jesus, e no casamento de vocês, que graças a Deus foram todos felizes. Quanto às minhas noras, são muito minhas amigas, sempre me trataram com muito amor e carinho, procurando sempre me ajudar em todas as ocasiões, moças dignas, trabalhadoras, etc.; o meu muito obrigada a todas elas. Os genros também muito bons; as filhas casaram-se com homens de caráter, esforçados, que se fizeram pelo próprio trabalho, conseguindo seus objetivos; foram sempre meus amigos, tratando-me sempre com muito respeito e atenções; a eles também muito obrigada. Eles sempre trataram minhas filhas com muito carinho, procurando dar-lhes o máximo de conforto; eu os aprecio muito.

Como dizia, tenho muita coisa ainda para contar, mas não sei se vou ter tempo. Os filhos tudo fizeram por mim e muito prazer me deram, quer nos seus esforços para vencer, quer na sua vida de lutas, mas sempre digna, e eu fico muito grata também, queridos filhos. Helena, sempre boa e compreensiva, muito me ajudou e bastante fez por mim e pelos irmãos. Almira, minha querida companheira, dedicada enfermeira, solícita, moça de muita bondade, de caráter, trabalhadora e crente fiel; a vocês, queridas filhas, muito obrigada.

Vou agora contar mais alguns trechos da minha vida e como conheci o Evangelho. Eu tinha oito anos de idade quando fomos, eu e minha avó Floriana, convidadas para assistir a um culto protestante por uma prima-irmã de minha avó, Alice Ramos da Silva Fausto, casada com o Engo. Augusto Fausto, que era de família evangélica no Rio de Janeiro. O casal tinha muitos filhos e a mais velha, da minha idade, era muito amiga minha. Minha avó aceitou o convite e fomos ao culto, realizado num sobrado da rua Altino Correia, hoje Conselheiro Mafra, esquina com Jerônimo Coelho. O pastor que dirigia o culto e que veio abrir trabalho aqui, chamava-se Robert Lenigton, um americano muito simpático, amável, que transmitia a palavra de Deus com muita eloquência e sinceridade, diziam os que tiveram o privilégio de escutá-lo. Minha avó gostou muito e, como era cantora exímia, muito entusiasmou o pastor. Lá, com grande espanto nosso, tivemos o prazer de encontrar tio Fernandinho (meu futuro sogro), que não frequentava a Igreja Católica embora toda a família fosse católica. Bem, continuamos a assistir aos cultos, minha avó gostava bastante e eu também, apesar da pouca idade, e isso embora muitos parentes quisessem me convencer de que lá era a religião do diabo... Lembro-me que respondia: Como pode ser isto? pois o pastor fala tanto em Deus e em Jesus Cristo? Bem, penso que então os cultos se realizavam num sobrado com loja no andar térreo. De lá eles se mudaram para outro salão situado na esquina defronte ao anterior; era um salão bem grande, lembro-me bem. Fizeram essa mudança por ter sido preciso instalara escola presbiteriana, uma escola primária que, penso, durou pouco tempo. Tinha vindo dirigir essa escola e nela lecionar uma diretora e uma ou duas professoras. Nesse local poucas vezes tive o privilégio de assistir aos cultos: minha avó passava muitos dias fora, quase sempre em São José, na casa de tia Naninha (minha tia de quem já falei bastante e que era irmã de meu pai) mãe do mais tarde Cardeal D. Jaime Câmara. Ela era muito católica e Jaime muito carola, tanto que me influenciou bastante nos nossos primeiros brinquedos, quase sempre de missas e novenas, ele sempre o padre e eu o sacristão. Tia Naninha também muito influía em nossos brinquedos. Os outros irmãos de Jaime eram Gastão e Amantino, mais tarde nasceram Saul, Joaquim e Ernani, o caçula. Batizei o Amantino com oito anos, e assim, influenciada pelos parentes de todos os lados, deixamos de frequentar os cultos evangélicos. Minha prima Alice também não mais frequentou, igualmente por grande oposição da família, que era de alta projeção social e assim lhe tornava difícil tudo abandonar. Mas tio Fernandinho continuou a ir, acompanhado do filho caçula Laércio. Tio Fernandinho morreu cedo, com 66 anos, e crente convicto embora nunca tivesse feito profissão-de-fé para não desgostar a esposa, católica e muito bondosa! A escola protestante mantinha-se com grande dificuldade financeira mas ainda continuou por mais alguns anos; não sei a data da inauguração da mesma.

Mais tarde, contava eu 13 anos, conheci uma professora dessa escola: Josefina Paixão; Laércio também com 13 anos, apaixonou-se por ela e mais tarde se casaram. Nessa época ela já se encontrava no Rio de Janeiro, para onde foi Laércio exercer a função de telegrafista. Reencontraram-se e reataram o namoro, passando muito tempo até que noivaram e realizaram o casamento.

A semente do evangelho, lançada em pequena, germinou. Já tínhamos feito profissão-de-fé e batizado Ezilda, Dalmiro e Aderbal. Os dois atos se realizaram no mesmo dia, a 4 de abril de 1914; morávamos então num chalé vizinho à Igreja Presbiteriana à Rua Visconde de Ouro Preto. Oficou o pastor Tancredo Costa, moço muito simpático, casado de novo, cuja primeira filha nasceu aqui, onde ele demorou talvez uns dois anos. Ele trouxe a família, que tinha perdido o chefe (pai do Rev. Tancredo); era uma família numerosa, com uma filha não muito certa e aleijada, impossibilitada de andar. O pai era o Rev. André Lino da Costa, de muita projeção no meio evangélico, talvez um dos melhores pastores da época, eloquente, muito inteligente e consagrado. Nessa época (do Rev. André Lino) eu não era ainda crente, era solteira, com 17 anos, e apreciava muito o Tancredo e o Coriguasi, este mais tarde pai do Arony Natividade da Costa. Quando a família foi embora, Coriguasi casou aqui, enquanto Tancredo seguia com o pai, a cursar o Manoel da Conceição e mais tarde a Faculdade de Teologia. Formado, casou e veio ser pastor aqui, já com o encargo de família, esposa, mãe e irmã. A luta que esse moço suportou foi imensa, não podendo a Igreja sustentar um pastor com tantas responsabilidades, pois estava acabando de pagar a construção do templo. Lembro-me de que quem vendeu o terreno para a Igreja foi minha tia Sofia, viúva de meu tio João Caldeira, irmão de minha avó materna. Ela vendeu o terreno por 2 contos de réis (imaginem!); levaram muito tempo para construir a Igreja, e contaram-me que quem emprestou o dinheiro para isso foi o nosso parente por afinidade, Dr. Augusto Fausto de Souza, de quem já falei.

No ano em que Dalmiro nasceu foi inaugurada essa Igreja, isto é, em 1913. Alguém me disse, não lembro quem, que quando foi inaugurada a Igreja eles ainda estavam devendo 8 contos, dívida que o Dr. Augusto tinha perdoado. É o mesmo prédio em que fizemos a nossa profissão-de-fé e batizamos Ezilda, Dalmiro e Aderbal em 1914. Muito depois é que foi construída a casa pastoral, ao tempo, penso, do Rev. Agenor Mafra, cuja filha Neide casou-se com o Jócio muito mais tarde.

Estou relembrando estes fatos já com 87 anos, e por isto me perdoem se estou esquecendo datas ou trocando-as, pois minha memória já está um pouco fraca. Sei que fomos sempre crentes e criamos nossos filhos dentro dos ensinamentos do Evangelho, trabalhando muito em todos os momentos em que eram necessários a nossa ajuda e cooperação.

Uma época muito importante da minha vida foi a em que moramos na casa da rua Visconde de Ouro Preto, a que me referi linhas atrás, defronte à Igreja Presbiteriana. Lá residimos 5 anos e nasceram Fernandino, Almiro e José. Foi um período muito feliz, tanto mais que, morando bem próximo à Igreja, pudemos participar dos cultos e da Escola Dominical com bastante frequência. Essa casa pertencia a nossa tia Sofia, viúva do tio Janjão (João, irmão de minha avó e do tio Fernandinhoje avó do Aroldo Caldeira, e foi aí que Patrício sentiu os primeiros sintomas da moléstia que tantos sofrimentos lhe trouxe, justamente quando Almiro nasceu, e vendo que os médicos não acertavam, resolveu ir ao Rio de Janeiro para consultar-se com algum médico indicado por meu irmão ou por outro médico daqui. Não voltou muito satisfeito, mas com o tratamento ministrado passou algum tempo livre das dores reumáticas nos joelhos.

Mais tarde, a 25 de novembro de 1923, nasceu o José, e nessa mesma casa começou a Plelena a ficar doente, a princípio com uma gripe intestinal. Chamamos o Dr. Donato Melo (nosso primo), que receitou uns remédios e dieta muito rigorosa (só canequinhas de chá ou leite), que a foi deixando muito fraca. À vista disso, Donato achou melhor que nos mudássemos de casa, e então fomos para uma na Avenida Trompowsky que pertencia a nossa cunhada Antonieta Mafra Caldeira. Lá também Helena não melhorou, e como os filhos que estavam no colégio na cidade achavam muito longe ( o bonde que tínhamos na ocasião, puxado por burros, não resolvia a situação), resolvemos voltar para o centro, onde alugamos uma casa ótima, muito grande, quartos com janelas, etc., na rua 28 de Setembro (hoje Vidal Ramos), esquina de Deodoro. Ali estávamos bem instalados, mas Helena não melhorava (nessa ocasião já era o Dr. Goffergé, médico alemão, que dela tratava).

Essa casa da rua 28 de Setembro, pertencia à avó do Ernani, e este, rapaz de uns 15 anos, era quem ia cobrar os a uguéis. Quando pensei que aquele mocinho viria a ser meu genro! Agora eu caçôo com ele dizendo: — Que tal se tivesses de voltar muitas vezes para receber o aluguel? Graças a Deus ele sempre recebeu no dia marcado...

Em 1924, Patrício, sócio da firma Campos Lobo, que representava a Companhia de Seguros Aliança da Bahia, teve de ir abrir uma filial da firma na Laguna. Ele mesmo se ofereceu para ir instalar esse escritório, embora sabendo que faria muita falta aqui por ser o braço direito do chefe, mas devido à doença da Helena (o médico recomendara que a levássemos para fora daqui), Patrício viu uma oportunidade para tentar o seu restabelecimento. Foi com grande pesar e muito sacrifício que deixamos a Igreja, os parentes, e viajamos para residir na Laguna. Na despedida houve muito choro, pois fizeram um culto em nossa casa na véspera de embarcarmos; Patrício nessa hora já estava arrependido de sua resolução. Seguimos no mês de outubro, levando todos os nossos trastes, inclusive o piano. Viajamos de navio, no Max.

Fomos morar numa casa enorme, com muitos quartos, salas grandes, com todo o conforto, com água encanada, instalações sanitárias, etc., sendo uma das primeiras casas com tais melhoramentos na cidade, situada num morro perto do centro e do escritório que Patrício instalou. A casa e o escritório ainda estão lá de pé, pois tive ocasião de revê-los há três anos, quando fui à Laguna em passeio com Helenita e Darci. Levamos, em 1924, seis filhos (Aderbal já falecera e Lauro e Almira não tinham nascido), o mais moço era o José, com dois anos e meio. Mas as nossas esperanças de Helena melhorar logo se desvaneceram: ela continuava no mesmo, magrinha, sem apetite e sofrendo. Eu e todos os filhos sentíamos muita falta da Igreja. Na Laguna só havia uma família crente, a de João Bispo, uma família numerosa. Resolvemos visitá-los no bairro de Magalhães e convidá-los para se reunirem em nossa casa para uma escola Dominical, e assim podermos ler a palavra de Deus. Desse modo tínhamos as lições da Escola e Ezilda e Dalmiro ajudavam cantando hinos e tocando-os ao piano, e João Bispo também ajudava ensinando o Evangelho, pois apesar de humilde era muito crente e todos os domingos lá estava com os filhos maiores. Eu fazia sempre uns docinhos e oferecia cafezinho depois da Escola Dominical.

Por ocasião do dia de Natal resolvemos fazer uma festinha, e Ezilda e Dalmiro, que cursavam o Grupo Escolar Jerônimo Coelho, convidaram os colegas; alguns aceitaram, não todos, que os lagunenses eram e ainda são muito católicos. Pois bem, o João Bispo se prontificou a trazer a árvore, e foi muito difícil, tendo ele de atravessar a baía em canoa e meter-se mato a dentro à procura de um pinheiro, que foi a primeira árvore de Natal que os lagunenses viram, pois só armavam presépio. Ezilda conseguiu alguns recitativos e canções alusivas à data, e todos que quiseram tomar parte iam muito satisfeitos ensaiar. No dia 25 fizemos a festinha, que agradou bastante, não só às crianças como aos adultos; tínhamos uns parentes que lá residiam e que também compareceram; fiz doces, salgados, etc.

Sentíamos, porém, muitas saudades do pessoal daqui, não só dos nossos parentes e amigos como dos crentes e da Igreja. Hoje, entretanto, reconheço que Deus me dera uma significativa missão para cumprir na Laguna. Eis o que se passou.

A Companhia de Seguros que o Patrício representava na Laguna alugou imóvel de propriedade de um senhor chamado Thomaz para instalar o escritório. O sr. Thomaz era casado com D. Custódia e moravam ao lado do escritório alugado. Quando chegamos, logo soubemos do drama que aquele casal, já meio idoso, passava. Morreram-lhes duas filhas, muito lindas, tuberculosas. O único filho, ainda menor, fugira com uma moça também menor. Muito católicos — ele Provedor do Hospital e Capela do Senhor dos Passos e ela de ir todos os dias à missa para comungar — estavam vivendo dias muito difíceis e o Sr. Thomaz se abria muito com o Patrício. Eu me dava muito com D. Custódia que gostava muito de mim e me contava todos os seus desgotos. Depois de chegarmos à Laguna o filho que fugira com a moça e que já estavam com 3 crianças, ficou doente e queria vir procurar recursos na Laguna pois eles moravam em lugar desprovido de recursos. Aí, então, as coisas pioraram. O pai que já perdoara tudo não tinha dificuldade em receber o filho e a família. Mas D. Custódia ficou irredutível. Não queria ver o filho, nem mulher e nem netos! Depois de muito custo e de apelos do sr. Thomaz, D. Custódia consentiu em receber o filho... mas nunca a nora e os netos! O filho mandou dizer que preferia morrer a separar-se da família. Foi, então, que eu entrei — pela mão de Deus, naturalmente — na história. O sr. Thomaz pediu encarecidamente ao Patrício para convencer-me a procurar a esposa a fim de tentar dissuadí-la daquela intransigência que já não tinha mais sentido. "A dona Gilete é tão crente, tão amiga da minha mulher, se ela concordar em falar com ela, quem sabe a convence de receber o filho e a família? " Logo que o Patrício me transmitiu o pedido, concordei e mais que depressa fui à casa deles, embora sem muita esperança. Mas Deus me inspirou e depois de uma conversa longa em que fui me afirmando cheguei a fazer-lhe ver que indo à Igreja todos os dias ela rezava o "Padre-Nosso", essa mesma oração que fala de perdão, quando afirmamos que perdoamos os nossos devedores... quanto mais um filho tão doente, sua nora e netinhos sem recursos... "A senhora tem razão, eu vou permitir, sim, que eles venham para cá". Foram para a Laguna, mas o estado de saúde do filho era muito grave, vindo a falecer. A nora voltou para a casa dos pais, ficando com os avós o neto mais velho, o José, que mais tarde nos visitou, passando uns dias conosco, em Florianópolis. Esse neto foi mais tarde de grande valia para os velhos. Não sei, mas hoje quando me recordo desse episódio, acho que estivemos na Laguna para, entre outras coisas, cumprir essa missão!

Quando ia adormecer o José, orava muito para que o Sr. Campos Lobo chamasse o Patrício de volta. Para Patrício eu não demonstrava insatisfação, pois ele também estava sentindo falta da família e via as crianças saudosas, principalmente Ezilda e Dalmiro; muitas vezes ele dizia: — Vocês tenham paciência e se convençam que o Campos Lobo (era português) não é homem de voltar atrás; nem que precise muito de mim, ele não me chamará antes de dois anos. E eu sempre orando! Quando fazia nove meses que estávamos lá, Campos Lobo chamou Patrício a Florianópolis e todos tivemos uma grande esperança, embora Patrício não demonstrasse tê-la. Bem, ele embarcou no mesmo pequeno vapor da Cia. Cari Hoepcke, chamado Max, único meio de viajar a Florianópolis, dizendo que se não telegrafasse era porque viria buscar-nos na volta do navio. Foram três ou cinco dias de expectativa e de esperança para todos nós, até de tia Miquita, que também tinha ido pois já morava conosco, e da empregada Teresa, que tínhamos levado e estava conosco já há seis anos. Enfim, o Max voltou trazendo Patrício e a notícia de irmos embora, pois o Campos Lobo precisava dele aqui, mandando para lá um sobrinho, também português e bem moço.

Nossa alegria não teve limites, porquanto eu só saía de casa para ir ao Mar Grosso com as crianças e algumas vezes ao comércio, e sentíamos muita falta da Igreja. E assim acabou a nossa estada na Laguna.

De volta a Florianópolis, fomos residir na mesma rua em que já havíamos morado, Vidal Ramos (chamava-se então 28 de setembro), numa casa junto à de D. Chiquinha Ribas, mas Patrício já comprara o terreno para construir a nossa casa, terreno que pertencia a minha tia Aninha, sogra do Dr. Ramagem, e custou seis contos de réis. Logo começamos a construir a casa, sendo o Sr. João Mendonça (mais tarde, sogro do Fernandino) o construtor. Assim que a casa ficou pronta, nos mudamos (dia 3 de janeiro de 1927) muito satisfeitos, pois desejava muito ter a minha casa. Dessa casa, situada à rua Marechal Foch (mais tarde Nereu Ramos), vocês se lembram bastante, pois já eram bem crescidos, só Lauro é que tinha 3 anos e ali nasceu a Almira.

Só após a mudança para essa casa à rua Marechal Foch é que se diagnosticou a doença da Helena que, segundo o Dr. Goffergé, seria malária encubada, coisa que nunca compreendemos. Helena tinha quase 13 anos. A moléstia agravou-se com uma dor forte no braço e febre de 40 graus. Numa das vezes que a levei ao médico, que morava quase em frente à nossa casa, e a vinha tratando há muito tempo, ele me disse muito alegre: — É um tumor no braço que hoje mesmo vou operar, sua filha está salva! Patrício e todos nós duvidamos, pois o tumor era interno e nem avermelhado o braço estava. Bem, às 11 horas daquela mesma noite ela foi operada, e o pus saltou longe. Quem acompanhou o Patrício foi o Gervásio Luz Sobrinho, moço muito prestativo, bom crente e bom amigo. Assim passamos um mês, ela com febre alta sempre e a cortar os tumores que apareciam em diversos lugares, todos internos, de modo que só sabíamos que tinha mais um a cortar quando tocávamos em certo ponto e ela sentia dor. No fim de trinta dias dessa agonia, data em que Helena completou 13 anos, extraiu-se o último tumor e a febre passou, mas ficou com uma perna mais curta e o Dr. Goffergé não quis que usasse muleta, dizendo no seu sotaque carregado: -- Deixa ela se arrastar, que vai ficar perfeita e ainda será Miss Brasil! (Era a primeira vez que faziam concurso de beleza nacional) Pela Páscoa ela ganhou muitos presentes, mas só gulodices, como chocolates, balas, biscoitos (o Dr. Goffegé mandou uma bandeja de frutas) que a deixavam braba, pois não tinha apetite algum e os irmãos queriam que ela repartisse com eles. Nesse aniversário, Ilza, minha cunhada, trouxe uma dúzia de maçãs, aí ela ficou emburrada, pois contava ganhar uma bolsa ou dinheiro, maçã ela não podia nem enxergar! Meu irmão Dalmiro e Ilza eram de parecer que deveríamos chamar outro médico, que o Dr. Goffegé estava errado, opinião partilhada pelos demais parentes, de modo que a nossa dúvida era enorme, e passávamos noites nesse conflito, e, pela manhã, não tínhamos coragem de chamar outro médico. Eu vivia orando, pedindo a Deus orientação. Bem, desde o dia do aniversário, ela foi melhorando, ganhou o dinheiro para comprar a bolsa e ficou feliz! Logo foi começando a andar e restabeleceu-se de todo, ficando perfeita, sem defeito algum. O Dr. Goffergé, coitado, anos mais tarde, adoeceu e foi para a Europa, onde a esposa o internou num hospital, tendo recuperado a saúde e até voltado a clinicar, mas recaindo, enfraqueceu e veio a falecer. Nós sentimos imensamente sua morte. Deixou viúva moça, e dois filhos (amigos dos meus filhos) que ficaram no Brasil, um deles médico e uma filha que mora em Curitiba e é casada com Célio Pereira de Oliveira.

Lauro nasceu quando voltamos da Laguna, na casa de que já falei, na rua Vidal Ramos, ao lado da Chiquinha Ribas. Quando chegamos da Laguna, antes de Lauro nascer, Fernandino, Almiro e José tiveram coqueluche muito forte, José quase morreu. Teresa, a empregada, não tinha paciência com as crianças. José tinha muito fastio devido à tosse e ela queria que ele comesse à força, então perdi a paciência com ela e falei braba, dizendo-lhe que se ela não quisesse tratar as crianças como eu tratava, não servia, pois que até com a Ezilda ela gritava. Tinha muito gênio e no mesmo momento foi embora. Calculem o meu trabalho, sem empregada e com os três pequenos com coqueluche! Mas logo encontrei outra muito boa.

Em setembro de 1929 Almira nasceu. Já ficara muito nervosa quando do nascimento de José, tendo sido necessário chamar médico. O rev. Júlio Nogueira, nosso Pastor, dizia que era devido ao meu contínuo trabalho na máquina, pois costurava para todos. Quando Almira nasceu quase cheguei a ficar no mesmo estado de nervos, mas o Dr. Goffergé me receitou uns comprimidos e graças a Deus fiquei boa. Antes, nascera o Lauro, sem que sentisse nervoso algum.

O Rev. Júlio Nogueira casou aqui no Estado com uma tijucana, eram muito nossos amigos, de modo que sentimos bastante quando foram embora. Depois veio para cá o Rev. Aníbal Nora. Ele, que não era bom orador, entendeu de fazer culto ao ar livre; os presbíteros foram contra e a maior parte dos crentes a favor, resultando numa polêmica muito forte. Submetido o assunto ao Presbitério, ganhou o Pastor, os presbíteros pediram demissão e deixaram a Igreja mais de 30 membros contrários ao Pastor, inclusive a nossa família. Ezilda e Dalmiro assinaram chorando o seu pedido de demissão. Bem, os presbíteros foram contra os cultos ao ar livre porque os pregadores eram sempre vaiados e corridos a ovos podres e pedradas no Estreito, não era como hoje quando se pode pregar o Evangelho livremente, sem atropelos. Resultado: o Rev. Aníbal Nora acabou indo embora e os que haviam deixado a Igreja Presbiteriana chamaram de Curitiba o Rev. Dr. Sátilas do Amaral Camargo para formar a Igreja Presbiteriana Independente, que assim foi criada com 30 membros, vindo o Rev. Dr. Sátilas visitá-la uma vez por mês.

Ezilda, que gostava muito de todos os irmãos, muito me ajudou na criação deles. Ezilda sofreu duas operações no nariz, pois o Dr. Goffergé achava que talvez ela ficasse boa da asma de que sofria desde os 13 anos, porém não deu resultado algum; então ele disse que talvez fosse proveniente da casa ou de alguma planta, uma vez que a asma era alérgica. Resolvemos alugar a nossa casa da rua Mal. Foch (Nereu Ramos) ao Comandante da Polícia Militar, um senhor muito simpático, e alugamos uma ótima casa na rua Bocaiuva (Praia de Fora); lá Ezilda piorou muito pela proximidade do mar. Lá ficamos só dois meses; eu gostava imensamente da casa, era ótima, enorme e com grande jardim que ia até a praia. Hoje está bem conservada, mas sem jardim, onde levantaram um grande prédio. Chamamos o médico, nosso parente Donato Melo, que nos advertiu de que o mar estava fazendo mal à Ezilda, e como na ocasião nossa casa ficou desocupada, poiso Comandante foi transferido, voltamos com grande alegria de todos os filhos. Quando tivemos de vender a casa, sentimos bastante, mas o chefe da firma Campos Lobo faleceu repentinamente em São Francisco, aonde tinha ido a negócios, e Patrício não pôde continuar na sociedade, pois a viúva quis tomar o lugar do marido, e como ninguém pôde suportá-la e nem ela sabia dirigir os negócios da firma, os sócios retiraram-se. Patrício, com o dinheiro da venda da casa, queria se estabelecer, mas eu achava muito duvidoso, pois tantas vezes ele tentara pôr casa de comércio e havia fracassado... então fomos gastando o dinheiro, que não era muito: 30 contos de réis. Resolvemos comprar o terreno desta casa em que moramos, à Rua Jaime Câmara, que custou 2 contos e fazermos a casa pela primeira construtora a prazo que se fundou aqui, a Laporta.

Quando vendemos a casa, a doença de Patrício agravara-se, embora tivesse apenas 48 anos; fomos morar num chalé defronte à casa de Laércio, na antiga Rua Joinville, hoje Jaime Câmara e a casa hoje ainda lá está, mas sem o jardim ao lado; era uma casa boa e alegre, porém Patrício quis mudar para a rua Jerônimo Coelho, para uma casa também boa, com jardim ao lado. Aí comecei a dar aulas de tricô e Ezilda foi nomeada professora em São José. Ela se formara com 16 anos, mas como tinha de fazer estágio fora da cidade, Patrício não achava vantagem em ficar longe de casa, ganhando pouco e ainda tendo de pagar pensão, etc. Dessa casa viemos para esta, que construímos, e aqui ficamos até hoje.

Patrício já veio para cá muito doente, só gozou da casa dois meses, e pediu que eu não me desfizesse dela. Nisso, Ezilda ficou noiva, pois há muito que estávamos desconfiados de que João Sena gostava dela, e ela custou a resolver se gostava dele como irmão ou como noivo; ele já era escrivão da Coletoria de São Francisco, nomeado por concurso há um ano. Quando Patrício ficou mal, ele estava aqui e muito nos ajudou durante esses dias. Patrício gostava muito dele, que era tratado em nossa casa como filho. Depois que Patrício faleceu, ele foi transferido para Indaial; nessa época Ezilda ficou muito doente e tive de sair com ela para outro clima, e assim fomos para Indaial, eu, ela e Almira. Fazia pouco tempo que eu tinha ficado viúva (com 46 anos). Lá ela melhorou, João já era Coletor, e trataram de se casar, devendo ela lecionar no Grupo Escolar. Casaram a 4 de janeiro de 1937. Logo, porém, ela teve de deixar o Grupo, pois ficou grávida de Lize.

Vou hoje me reportar aos parentes de Patrício. Eram seus avós, pelo lado materno, Patrício Linhares e Maria Inês Mafra Linhares, que tiveram os seguintes filhos; Maria Rita, Elisa, Maria Inês (Nezita), lldefonso, João e Lauro. Maria Rita (Sinhá) casou com Fernando Gomes Caldeira de Andrada (meus sogros), criaturas bondosas, educadas, queridas por todos; sua casa, pela franqueza e acolhimento, era a continuação da casa do pai do tio Fernandinho, José Bonifácio Caldeira de Andrada, sempre cheia de parentes. Os meus sogros tiveram muitos filhos, mas criaram somente 7: Antenor, Maria Inês (Maroquinhas), Maria do Carmo (Carmozinha), Maria Amélia (Mariquinhas), Érico (falecido aos 27 anos, solteiro), Patrício (falecido aos 49 anos, deixando 8 filhos, sendo 3 mulheres e 5 rapazes; perdemos nosso querido filho Aderbal com 3 anos), e Laércio, casado com Josefina Paixão. Antenor foi casado com Antonieta Mafra e Maroquinhas com o primo, Manoel Caldeira de Andrada. Antenor e Antonieta morreram cedo, deixando dois filhos: Fernando e Celso, este já falecido.

O casamento de Patrício Linhares e Maria Inês Mafra ocorreu do seguinte modo: os pais dela tinham casa de negócios na rua João Pinto, morando a família na parte superior do sobrado, o mesmo que sediou por muitos anos o 12 de Agosto, clube que todos nós frequentamos (os da minha geração). Nessa casa de negócios dos Mafras veio trabalhar como empregado um moço austríaco chamado Patrício Linhares. A filha do dono da casa, Maria Inês, menina de seus 10 ou 11 anos, muito bonitinha e simpática, fez amizade com o novo empregado do pai e tal amizade, tão sincera e forte, entre ambos, transformou-se em amor, vindo ela casar-se aos 13 anos de idade, sendo muito felizes. Tive o prazer de conhecer D. Maria Inês, já viúva, cabelos brancos, muito bonita ainda e bondosa; ela morava então na casa de Lauro Linhares, seu filho, já casado com Adelaide, de quem fui muito amiga. Maroquinhas, irmã de Patrício (meu marido), contava que a casa dos avós ficava numa chácara existente na rua Esteves Júnior, em frente a nossa hoje rua Jaime Câmara, casa que vocês conheceram como de Henrique Rupp (e ainda é da família Rupp), sendo que a chácara foi muito reduzida, primeiro devido à abertura da Avenida Rio Branco, segundo porque os filhos do Dr. Henrique nela construíram casas, mas a chácara ainda é grande e fica de esquina com a mencionada avenida. Contava ainda Maroquinhas que muitos dias passaram nessa propriedade dos avós, vindo com os pais de São José, onde moravam. Dizia também a Maroquinhas que a área onde hoje se ergue a nossa casa pertencia a uma senhora muito rica e que ela, irmãs, irmãos e primos faziam frequentes incursões nessa chácara, cuja frente dava para a rua Esteves Júnior, onde há 4 casas, sendo que tio Adolfo morou numa delas. Brinquei muito neste chão, mal sabendo que um dia parte dele ia me pertencer! Nos fundos havia uns casinholos; num deles morava um velho escravo chamado Bicué, e vocês, meus filhos, ainda puderam ver parte das ruínas dessas construções, lembram-se?

Patrício sempre reclamava do seu nome, porque dizia ser "patrício" de todo o mundo, enquanto a mãe, muito tranquila e paciente, lhe explicava: "Meu filho, é o nome do teu avô, nasceste no dia do aniveráario dele, dia de São Patrício", e ele retrucava: "Meu primo lldefonso foi mais feliz, pois nasceu no dia seguinte", mas como era dia dos anos do tio lldefonso, ganhou o seu nome! Bem, os irmãos de tia Sinhá, portanto tios de Patrício, casaram-se: o lldefonso com uma Mâncio Costa, que conheci em casa de Lauro Linhares, uma senhora muito distinta, cheia de muita cerimônia e etiqueta em suas visitas; a de João Linhares não conheci; Lauro casou com Adelaide Silva, moça muita simpática e amável. A casa deles, enorme, bem moderna, com todo o conforto, numerosa criadagem, vivia repleta de hóspedes e visitas (um parente afastado de Adelaide era o mordomo, moço muito bom, muito nosso amigo que, por ser gordo e baixo, tinha o apelido de João Catuto, alcunha que não o deixava incomodado, até achava graça). Lauro e Adelaide tiveram 9 filhos: Jayme, Zulma, Carmem (muito minha amiga), Cora, João, lldefonso, Nezita, Almira e Carlos, que faleceu pequeno. Ainda vivem Cora, Joãozinho e Nezita. Esta última não se casou, mora no Rio, e sempre que vem a Florianópolis me procura, assim como a irmã Cora Linhares Brant, que está viúva e tem 2 filhos e 2 filhas, todos formados, casados os rapazes.

A casa de negócios na rua João Pinto, de que falei, pertencia à família Mafra, um dos quais, o Dr. Manoel Mafra, o "Conselheiro Mafra", foi advogado do Estado de Santa Catarina na questão de limites com o Estado do Paraná, disputa em que já há muitos anos e gastando muito dinheiro estava empenhado o nosso Estado; corriam os anos, mudavam-se os defensores e nada se resolvia. Conselheiro, morador no Rio de Janeiro, filho de tradicional família catarinense, foi o Dr. Mafra convidado a representar Santa Catarina nesse litígio. Com grande amor à causa e inteligência, ele solucionou o caso em pouco tempo, dando-nos a vitória. Era irmão de D. Maria Inês, mãe de tia Sinhá (minha sogra), portanto tio desta e de Lauro Linhares. Sempre foi muito estimado na família; conheci-o muito bem e tive o prazer de visitá-lo no Rio, com Patrício e dois filhos, Ezilda e Dalmiro. Um de seus filhos, Targino, casou com uma irmã de tia Sinhá e do Lauro Linhares, a Elisa. Nessa ocasião fomos visitá-la, pois era tia e madrinha de Patrício. Houve muita guerra contra esse casamento, tanto da parte de Lauro Linhares como do próprio Dr. Mafra, pois o filho, piloto de navio que fazia escala aqui, tinha dado e continuava a dar muita dor de cabeça ao pai. Lauro e toda a família também não faziam gosto por ser Elisa moça muito distinta, boa filha, irmã e tia. Mas não houve conselhos nem rogos que a fizessem desistir e assim se casaram e foram bastante infelizes. Sempre moraram com o Dr. Mafra em Icaraí, Niterói. Elisa só voltou para cá depois de viúva e morou com o Lauro até falecer.

Antonieta, filha única do Dr. Mafra, após a morte do pai casou-se com o meu cunhado Antenor, também com o pesar de toda a família, pois era moça de esmerada formação, criada com todo o carinho pelo pai, pois a mãe faleceu quando ela era criança, deixando-a ao lado de quatro irmãos: Otávio, formado em Direito como o pai, Celso, que não tinha emprego definido, Jorge e Targino. Otávio e Targino não deixaram filhos. Antonieta não foi feliz; ela não desconhecia, ao casar, os defeitos do meu cunhado, que faleceu após separações. Também ela morreu cedo, deixando dois filhos: Fernando e Celso. Este último já faleceu, deixando viúva Vera (muito nossa amiga) e dois filhos, bons moços, um deles Oficial de Marinha.

Por ocasião da vitória da questão de limites com o Paraná houve muitos festejos aqui, sendo o Dr. Mafra bastante homenageado, ganhando até nome de rua. Na época, os paranaenses nem queriam saber de catarinenses, a ponto de, se alguma família se via na contingência de morar aqui, como os militares, as esposas iam ganhar filho no Paraná, pois não admitiam que fosse catarinense! Aconteceu isto com o Gen. Nepomuceno Costinha, o mesmo que menciono no começo destas memórias e que era nosso hóspede e ajudante-de-ordens do meu pai. Ele enviuvou e casou novamente, sendo a segunda esposa paranaense; tendo sido ele (que era catarinense) transferido para cá, ia a esposa ganhar seus filhos no Paraná. A primeira filha dele, do primeiro casamento, a mesma que, desesperado, depositou no colo de mamãe (como contei), nós a visitamos (eu e vovó) no Rio quando já estava mocinha, o mesmo tendo feito minha mãe, mas quando, ela esteve aqui não nos deu importância. Nem sei se casou nem soubemos mais nada sobre a família. Ouvi falar do Costinha, já General, quando na revolução de 30 aqui entrou a frota legalista obrigando o Governo a fugir; estando o Gen. Costinha em Palácio, saiu junto com o Governador Dr. Fúlvio Aduci (que só governou 3 dias), embarcando todos (inclusive Ernani, filho de tia Naninha, recém-empossado como ajudante-de-ordens do Governador) num paquete que estava de prontidão. A esposa do Governador era tia de Célia, esposa do Joaquim Câmara.

O Dr. Mafra faleceu pouco tempo após ter ganho a questão de limites, e tendo a filha, Antonieta, vindo passear aqui, ainda de luto pelo pai, e se casado, o Dr. Hercílio Luz, Governador do Estado, mandou chamá-la em Palácio e disse-lhe: — "Quero homenagear seu pai, na pessoa da sua filha, pelo muito que fez por nossa terra; autorizo a senhora a escolher uma casa no valor de 50 contos de réis". A quantia era, naquela época, bastante elevada. Patrício, então era quem lidava com todos os negócios do Sr. Campos Lobo, que resolvera vender todas as suas propriedades, creio que por se achar muito doente e querer deixar seus negócios em boa ordem. Pois bem, ele autorizou o Patrício a oferecer ao Governo, por 50 contos, três casas de sua propriedade situadas na Avenida Trompowsky, a fim de serem doadas à filha do Conselheiro. Todos ficaram pasmos, pois as casas valiam muito mais. O negócio foi realizado, sendo Patrício o intermediário. Antonieta ficou residindo numa das casas e alugou as outras, a bom preço, que eram casas boas e novas, a pessoas da alta sociedade: Dr. Pedro Silva, pai do Dr. Aderbal Ramos da Silva e Sr. Raul Wendhausen, comerciante abastado. Bem, não durou muito a alegria dela; como se tornassem mais frequentes e violentas suas brigas com o marido, resolveu mudar-se para o Rio com os filhos, indo ele para a casa de sua mãe (tia Sinhá, minha sogra); Antonieta também passou muito trabalho lá, uma vez que os irmãos e as cunhadas não estavam dispostos a aturar os seus filhos, levadíssimos (Fernando e Celso). Então ela alugou um quarto, onde também faziam as refeições. Foram tempos difíceis! Mas Antenor já estava muito depauperado e veio a contrair a doença ("delirium-tremens") que em curto prazo o vitimou. Após sua morte, Antonieta e os filhos voltaram para cá, indo morar em casa ao lado da de tia Sinhá, na rua Fernando Machado. Os filhos, já crescidos, estavam estudando. Ela, porém, encontrava-se bem doente e pouco sobreviveu ao marido. Faleceu de repente, sentada numa cadeira em casa de tia Sinhá, que muito sofreu por ver a filha do seu bondoso e ilustre tio passar por tamanhas infelicidades. Mas, quando casou, ela já sabia do vício de Antenor, pois muitas vezes ou quase sempre chegava embriagado para noivar. Todos ficaram admirados como, sendo ela criatura tão fina, criada com tanto desvelo e carinho pelo pai, tivesse a coragem de assumir tão séria responsabilidade! Mas, uma vez assumida essa responsabilidade, teve que aguentar as consequências, pois sabia o que a esperava.

Logo que puderam, os filhos venderam as casas e foram para o Rio. Fernando, o mais velho, jogador de futebol (iniciara jogando no "Externato", time do Colégio Catarinense) chegou a ser profissional do Flamengo (até que, acidentado numa partida, teve de abandonar o esporte), casou-se com uma prima-irmã (o casamento durou pouco, logo se desquitaram); Celso casou-se com Vera Barbosa Born, prima do Ernani, meu genro.

Os meus principais divertimentos, em certa época, foram os casamentos das filhas do casal Lauro e Adelaide Linhares, casamentos com muita pompa, festas, doces e bebidas. A casa se prestava a festas, grande, espaçosa, com portas para um varandal que acompanhava todo um lado da mesma. O casamento da caçula, Almira, foi realizado no jardim da casa, com mesinhas e cadeiras apropriadas, sendo o jardim todo iluminado; foi uma festa linda. Almira e Mourão, ambos bem novos, eram muito queridos de todos, ele tenente do Exército. Mais tarde, seria o conhecido General Olympio Mourão Filho, um dos chefes da revolução de 1964, cujo livro de Memórias foi publicado depois dele falecer. Ela era muito alegre, sempre promovia festas e encenava comédias em que sobressaía por sua graça e espontaneidade, sendo o Jovita Gandra (marido de Julica) o ator principal. Carmen se casou mais tarde; era a minha maior amiga e me acompanhou muito na doença do Patrício e na minha viuvez; Adelaide, também já viúva, visitava-me muito. A casa deles era bem próxima à nossa, então à rua Jerônimo Coelho. Com a morte de Adelaide, a casa foi demolida para abrirem a continuação da rua Jerônimo Coelho, e a chácara dividida em lotes e dando espaço à abertura da avenida Osmar Cunha, onde fica situada hoje a nossa casa.

Bem, agora tenho que falar sobre o casamento dos filhos e nascimentos de netos.

A primeira a casar foi Ezilda, a 4 de janeiro de 1937 e foi morar em Indaial, como já disse. Lize, minha primeira neta, nasceu a 17 de novembro do mesmo ano em que os pais casaram. A segunda a casar-se foi Helena, dia 30 de setembro de 1939; no ano seguinte nasceu Helenita, a 21 de agosto. Ezilda já tinha ganho Suene, a 16 de maio de 1939, e logo depois Nara, a 24 de setembro de 1940. Neste ano Dalmiro casou-se, a 23 de dezembro; Fernandino casou-se a 14 de junho de 1941; Mânia nasceu a 17 de abril do ano seguinte; eles foram morar com Ernani e Helena, mas quando Mânia nasceu já moravam aqui em nossa casa. Lídia custou muito a ter a Mânia, foi um parto muito demorado. Mânia nasceu forte e bonita, mas antes de um mês passou a chorar muito e a mãe de Lídia, D. Mariquinha, dizia ser dor de barriga e dava-lhe muito chá de erva doce; eu estava vendo que era fome, pois coisas que os meus nunca tiveram foi a tal de dor de barriga, mas Lídia dizia que tinha leite. Um dia resolvi levá-la ao médico, Dr. Cavalcanti, que a examinou bem, pesou e mandou Lídia amamentá-la na outra sala; quando acabou, ele pesou-a de novo e constatou que ela chorava de fome! Resultado: já voltamos para casa com mamadeira, leite em pó e com a recomendação médica de tantas medidas de 3 em 3 horas. Mânia nunca mais chorou nem teve dor de barriga, desde esse dia engordou e ficou forte e muito bonita! Nesse tempo, Fernandino, que prestara concurso para o IPASE, foi nomeado para Curitiba, pois queria estudar medicina, mas uma vez lá fez grande amizade com o Rev. Dr. Sátilas do Amaral Camargo que era também advogado. Talvez essa amizade tenha levado Fernandino a estudar Direito; com grande dificuldade conseguiu se formar, de vez que tinha o seu trabalho no IPASE e dava aula num ginásio. Alugaram uma casa pequena; Lauro estava morando com eles, cursando o Ginásio Estadual de Curitiba, pois aqui o ginásio era pago e eu tinha muito trabalho com os uniformes. Lavando-os e passando-os a ferro, já não dava conta de fazer esse serviço. Ele foi quando Lídia estava esperando o Patrício, que nasceu a 14 de maio de 1943. Mânia então tinha um ano e sempre forte e bonita. Nessa ocasião eu estava em Presidente Getúlio, pois Ezilda esperava a Sumara e estávamos apreensivos porque no parto de Nara quase morreu, chegou a afilar o nariz, esvaindo-se em sangue; levamos um susto muito grande, se a parteira não tivesse uma injeção de hergotina não daria tempo de chamar o médico; Newton Ávila achou o caso bem grave. Assim, estávamos todos com receio de que se desse o mesmo quando do nascimento de Sumara. João já conversara com o médico do lugar para assistí-la no parto, além da parteira do hospital local. Ele era muito amigo do João e logo prometeu que viria. Era brasileiro, simpático e bondoso. Eu continuava assustada e bem calada. Fernandino também ansioso que eu pudesse ir para Curitiba; foi mais uma quadra que vivi cheia de preocupações.

Bem, Sumara nasceu a 29 de abril, graças a Deus sem muita complicação, mas não podia deixar Ezilda sem que ela estivesse bem forte, pois ficava sempre muito fraca. Além disso, Sumara teve pneumonia, custou muito a cair o umbigo, foi tanta cousa que eu não podia sair, e Fernandino a passar telegrama, a me chamar, pois Mariquinha, mãe de Lídia, precisava vir embora já que se encontrava também doente em conseqüência de um aborto a que se submetera antes de ir para Curitiba. Eu nem podia pensar como ia fazer. Bem, Patrício nasceu a 14 de maio, e Fernandino ansioso por mim, eu não podendo me dividir. Até que Ezilda se levantou ainda fraca e Sumara estava bem, pude então embarcar com Almira. A viagem era de trem até Blumenau e de lá a Curitiba de ônibus; eu enjoava como uma desesperada; tivemos de parar em Joinville, passando a noite em casa da viúva de Mário Lobo, minha conhecida, lá encontrando também Mocinha, mãe de Sindah, que estava ali morando por uns dias por ter sido vendida a casa em que residiam, ela e duas filhas (Sindah estava estudando no Rio).

No dia seguinte Fernandino chegou para nos buscar, estávamos na Igreja Presbiteriana quando ele chegou e ao me ver ficou contentíssimo. Fizeram um almoço gostoso para nós, ambas as famílias satisfeitas com a nossa chegada. Findo o almoço, seguimos de ônibus para Curitiba; Lídia não estava passando bem, e D. Mariquinha, devido ao seu estado precário de saúde sabendo que eu ia chegar, embarcou cedo para Florianópolis. Quando chegamos, a primeira cousa que sugeri, lembro-me, foi despedir a empregada. Lauro já estava lá e ajudava no que podia e estudava. Logo que Lídia melhorou, nos mudamos para uma casa de madeira, bem pequena também, que ficava na rua em que morava o Rev. Sátilas. Em seguida tive de voltar a Presidente Getúlio, que Ezilda e Sumara não estavam passando muito bem. Depois de tudo normalizado, voltamos, eu e Almira, a Florianópolis.

Eglantina e Dalmiro moraram comigo muito tempo. Fui obrigada a sair da nossa casa para mandar pintá-la; seu Mendonça, sogro do Fernandino, achou que devíamos sair imediatamente se não perderíamos o madeiramento das janelas. Pois bem, aluguei a casa por 300 mil réis e aluguei uma perto da Helena (hoje é uma capela), pagando a seu Mendonça 100 mil réis por mês. Ele pintou toda a casa antes e depois que nela morou um primo da Dete, que logo saiu, e eu aluguei ao sr. Vasco Gondim. Quando acabei de pagar a pintura, pedi a casa, e ele custou muito a sair. Depois da casa perto de Helena, fomos morar na rua Gen. Bittencourt, numa casa próxima à do seu Mendonça; ali nasceu Eliane.

Nessa ocasião eu tinha ido para Presidente Getúlio, novamente com a Almira, a mandado do médico, dr. Artur Pereira Oliveira, pois andava passando mal, tudo nervoso, e muito fraca. Lá gozamos uns tempos de paz, com muita fartura, muitas frutas, laranjas, pêssegos, uvas, enfim tudo de bom, Ezilda e as crianças com saúde. João tinha uma aranha e um cavalo, de modo que passeávamos muito, íamos longe comer pêssego, chupar bergamotas, uvas, etc. Trazíamos abóboras enormes, que os alemães não comiam, só cultivavam para os porcos, ficando admirados do nosso mau gosto! João tinha também uma vaca leiteira e um porco muito grande, que matou quando estávamos lá; fizeram morcilha, linguiça e muita coisa gostosa, até torresmo. Tudo foi feito sob a direção de um entendido no assunto, contratado pelo João. Gozamos de bastante fartura. João ganhou um saco de açúcar e pedia-me para fazer doces, eram doces de pêssego, de goiaba e de abóbora. Ezilda aprendeu a fazer pão gostoso com uma alemã; tínhamos uma horta com todas as verduras. José e Dete passaram a lua-de-mel lá; antes tinham ido Dalmiro e Eglantina com Elisete de dois meses; depois foi Almiro, ainda solteiro. Ele casou quando Eliane tinha um mês. Nós viemos para o casamento dele e voltamos a Presidente Getúlio. Vânia nasceu com os mesmos problemas de Mânia: chorava de fome. Era muito bonitinha, morena e cabeluda. Eu sempre presente nesses acontecimentos, apesar das noras todas terem mães e bem mais moças do que eu.

Quando Dayse nasceu, depois do Romualdo, José foi me buscar no Estreito, onde João estava morando logo após ter sido removido para a Capital. Era numa casinha que ele tinha comprado. Então, Ezilda estava muito pesada, esperando Talita. Vânia nasceu a 7 de setembro. Dayse a 20 do mesmo mês e Talita a 6 de outubro; vejam vocês como eu andava de um lado para o outro!

No ano seguinte nasceu o Fernando do José, a 28 de outubro. Evelise nasceu a 30 de abril de 1947 e Elisabete a 11 de abril de 1952, e eu presente sempre. Tânia nasceu a 14 de maio de 1945, Aderbal a 7 de dezembro de 1946 (em Curitiba), Marina a 4 de outubro de 1948 e Paulo a 23 de junho de 1951. Lorena no dia 24 de junho de 1949 e Almirinho no dia 29 de outubro de 1954. Bem, não sei se falta algum neto... falta o Éder, que veio trazer muita alegria a todos nós, pois Ezilda e João tinham 5 meninas! Era um menino muito forte e bonito, como até hoje é.

Quando Patrício faleceu não tínhamos nenhum filho casado; apesar de termos lutado muito, fomos felizes, e ele faleceu sem deixar uma dívida, a não ser a nossa casa; deixou um seguro de 10 contos de réis, que serviu para as despesas com sua doença e enterro. Não fiquei com dívida alguma, nem devendo favor a ninguém, graças a Deus. Esqueci de dizer que ele voltou a trabalhar na firma Campos Lobo depois que a viúva faleceu; mais tarde ele representou em Florianópolis uma Companhia italiana de Seguros e o Dalmiro o ajudava. Continuei com as minhas aulas de tricô, com muitas alunas, senhoras e moças da alta sociedade, e trabalhávamos para fora, eu Ezilda e Helena, até para o Rio de Janeiro. Quando Lize nasceu, acabei com as aulas, pois não parei mais de viajar.

Ao casar Helena, resolvi ir ao Rio visitar a tia Naninha, que me pedia muito para ir vê-la antes que ela morresse. Almira não quis ir, fui com o Fernandino, de vapor, no "ANNA", com todas as despesas pagas por ela; já fazia seis anos que eu estava viúva. Joaquim, o quinto filho de tia Naninha, o qual ficara no lugar de Amantino (à frente dos seus negócios), que falecera uns três anos depois de Patrício, levou-me para passar uns dias em sua casa em Ipanema. A senhora dele, muito boa e muito simples (filha do Felipe Schmidt, que foi Governador do nosso Estado, tendo ela nascido no Palácio), recebeu-me muito bem e nos demos excelentemente, ficando muito amigas. Tinham um filho de 16 anos muito simpático e amável. A casa era um palacete, os vidros de todas as portas e janelas eram de cristal e o serviço de mesa todo de prata; tinham garçon para servir. Pois bem, no dia em que embarquei, ele me chamou à parte e disse que queria acabar de pagar a minha casa, eu disse que não precisava, pois Dalmiro, Fernandino e Almiro já estavam empregados, mas ele fez questão cerrada (e foi então que melhoramos de vida), de vez que os filhos ganhavam pouco, ele sabia, não que eu tivesse me queixado, coisa de que era incapaz. Desde esse mês ele começou a mandar-me 200 mil réis mensalmente, e mais tarde 500, por intermédio da firma Cari Hoepcke, de que era despachante no Rio, como era também da Navegação Argentina. Ele ajudava a todo mundo, parentes e amigos. Quando mais tarde a empresa construtora tentou fazer vigarice comigo, não recebendo as contribuições mensais para poder alegar que eu não as havia pago, recorri a ele. A firma que construíra a casa já tinha mudado de nome. Ele imediatamente constituiu dois advogados (um era o Gallotti), que conseguiram a grande custo livrar a nossa casa das garras do patife, que tinha fugido para a Europa. Mesmo depois que a minha casa já estava paga, Joaquim continuou a enviar os 500 mil réis por mês, e pagou os advogados e outras despesas; só quando deixou de representar a companhia argentina é que sustou a mesada. Sou-lhe imensamente grata e o estimo como a um irmão. Hoje ele mora em Petrópolis. Sempre lhe escrevo pelo seu aniversário e ele responde no mesmo dia.

Depois dessa viagem ao Rio, fui mais duas vezes visitar tia Naninha, hospedando-me em casa do Joaquim novamente. Fui com Almira e conheci os principais pontos de atração do Rio em passeios com ele e senhora. Na terceira viagem fomos até João Pessoa, na Paraíba, a visitar Helena e Ernani, tendo este nos mandado passagem aérea. Paramos algum tempo no Rio e estendemos a viagem a Pernambuco. Gostamos muito de Recife e João Pessoa.

Deixei de mencionar os filhos de Lauro, não por esquecimento, é que ele foi o último a casar, e em Curitiba. Fiz muito gosto nesse casamento por sereia filha do Rev. Sátilas, nosso grande amigo de muitos anos. Não assisti ao nascimento dos filhos deles, pois nasceram em Curitiba: Mauro, Amaury, Márcio e Marise, todos eles muito queridos e muito meus amigos, e Diva também, sempre nos proporcionando companhia, ajuda e amizade. Lauro, muito esforçado, começou os estudos na casa do Fernandino, em Curitiba, e veio terminar o curso de odontologia aqui, já com o filho Mauro, que hoje é também formado em odontologia e já trabalha no INPS e no gabinete dentário do pai.

Daqui para frente mudarei um pouco o modo de escrever estas memórias. Depois dessa viagem pelo passado, começarei a contar coisas que me vão acontecendo na medida em que o tempo passa, até achar que os meus queridos leitores (as minhas netas são as que mais anseiam pela leitura destas memórias!) vão ficar cansados de tanta ladainha de gente velha...

Estou escrevendo estas linhas (06.12.1976) muito satisfeita porque no domingo, 26, se Deus quiser, iremos eu e Almira renovar os nossos votos na Igreja Metodista. Pois Deus, em sua sabedoria e misericórdia, mandou para cá essa família maravilhosa formada pelo Rev. William Schisler Júnior, a esposa Edith e seus queridos filhos Kennedy e Milard (as duas filhas mais velhas, Débora e Susana estudam e trabalham em São Paulo e Recife, respectivamente; espero conhecê-las muito breve). O Dico, como chamamos o Pastor, intimamente, é para nós um ente muito querido que veio alegrar muito a nossa vida. Já fazia muito tempo que eu tinha me afastado da Igreja; vivia triste, quase não saía de casa, apesar dos filhos quererem muito que me distraísse, que fosse à Igreja a que tanto me dedicara no passado, mas não tinha gosto nem vontade de ir a parte alguma, nem à Igreja, embora o Rev. Osvaldo Hack muito tivesse me visitado e convidado a comparecer em sua Igreja (Presbiteriana), que Dalmiro e família frequentavam.

O culto de domingo passado nos comoveu bastante, pois o Dico nos trouxe mensagem que nos confortou, e tivemos ainda o prazer da companhia de Fernandino, Aderbal e Sandra, que também gostaram imensamente da prédica sobre o medo e o temor a Deus. Sentimos a ausência de Helena e Ernani e rogamos a Deus que venham de Curitiba mais animados e Helena melhor. Está programada para o dia 26 a cerimônia dos nossos votos na Igreja Metodista; estamos ansiosos que isto se realize, porquanto a minha idade avançada obriga que faça com urgência tudo que tenha a fazer, e quero deixar o meu nome no livro dos crentes metodistas.

Tivemos a alegria de receber, há pouco, a visita, embora curta, de D. Eva, senhora do Dr. Luiz; não obstante seja recente o nosso conhecimento, muito simpatizamos com eles, pessoas amáveis, e pedimos ao bom Deus que os medicamentos de que está fazendo uso o Dr. Luiz o restabeleçam de pronto e suas dores tenham fim.

Ontem (18.12.1976) passei a tarde em casa de Dalmiro, que completou 36 anos de casamento. Eglantina é muito minha amiga e as filhas gostam muito de Almira e Fernando. Estamos sentindo muita falta de Sandra, Aderbal e filhinho; ela é boa samaritana, apreciamos o seu bom senso e visão do futuro, de vez que, pensando na carreira de Aderbal e tendo de escolher entre ficar com sua família em Curitiba e ir para Vitória (Espírito Santo), ela meditou e orou muito, e optou pelo futuro. O presente era tentador (ficar perto de sua mãe, irmãs e avó que muito lhe querem), mas o futuro de Aderbal? Ela já o tinha acompanhado naquela estada nos confins de Goiás (Aderbal, que é engenheiro, trabalhou na construção da Hidrelétrica de S. Simão). Tivemos, assim, o grande privilégio de hospedar os nossos queridos netos Aderbal e Sandra, que nos trouxeram para conhecer o querido bisneto, o 27º. Criança interessante, bonita e boazinha, Rogério é um encanto! Sandra, moça bonita, irradia simpatia e é muito eficiente'como esposa, como mãe e como crente em Jesus. Sentimos imensa alegria quando ela nos disse que iriam hoje ao culto da Igreja Metodista; foi uma surpresa, pois tinham programado a viagem para domingo bem cedo. Lamentamos tenha durado tão pouco sua estada em nossa casa, mas outros deveres os chamavam a Curitiba. Fernandino e família também já partiram, Mania, esposo e filhos muito queridos. A festa do Seu Mendonça foi muito alegre, e mais ainda seria se Mariquinha estivesse com saúde, pois seu estado empanou um pouco a satisfação de todos nós. Também senti a ausência de Helena, mas espero em Deus que pelo Natal ela e os seus estejam presentes a nossa festa do dia 25 em casa do Lauro. A festa do seu João Mendonça e Mariquinha foi dos 60 anos de casados.

Dia 02.01.77 — Passamos as festas de fim de ano bem animados; todos os filhos satisfeitos, armando suas árvores de Natal muito bonitas, belos presentes, etc. Sentimos a falta de Helena e Ernani, que estavam e