LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
Traços azuis, de Virgílio Várzea
Edição de base:
Virgílio dos Reis Várzea, Traços azuis,
Florianópolis [Desterro]: Tipografia de J.J. Lopes, 1884.
ÍNDICE
A Arão Ramos
Meu talentoso e excelente amigo
Ofereço-te este despretensioso trabalho,
como uma prova inexcedivelmente sincera
e profundamente sentida de simpatia e
devotamento.
Virgílio Várzea
Desterro, 1884.
Traços azuis
A A...
Escuto-te essa voz esplêndida, sonora;
E sonho o meu viver tranquilo, radiante,
Quando sinto-te, filha, a cabecinha loira
Tombada no meu peito, alegre e palpitante.
Beijo-te mansamente os lábios cor de aurora,
Inundado de um júbilo heroico e triunfante;
E penso que nós vamos pela existência afora,
Como quem leva a alma aberta e cintilante.
Vejo no teu olhar aquela mansidão,
Suave e luminosa, de um grande coração,
Há transbordar de afagos, de festas e candura,
E creio que tu és a flor resplandecente,
Que sobre mim entorna um fluido rescendente,
Uns beijos, a tua alma, ó doce criatura!
As farinhadas
À minha prima e poetisa Belarmina E. da Silva
Num esteio pendurado
O candeeiro ferrenho,
Derrama por todo engenho.
Toda a família abaixada
A mandioca raspando,
No coxo a vai atirando
Para ser depois ralada.
O boi puxando forçoso
A almanjarra pesada
Tem o andar vagaroso
E o escrevo cantando
Vai a farinha torrada
Ligeiramente tirando.
A Rodrigues Braga
O dia vem surgindo, o dia esplendoroso!
A aurora traz-me um beijo enorme, luminoso,
E faz que a flor estenda as pétalas azuis
Aos vagalhões de ouro de uma explosão de luz!
O coração palpita e sente um mago eflúvio
Que inunda todo peito assim como num dilúvio.
A grande mãe de tudo, a vasta natureza
Sente a latejação das formas da beleza.
O colibri dourado a namorar a flor
Murmura-lhe ao ouvido uns cânticos de amor.
O dia é uma alegria heroica, colossal!
Dele é que emana o bem, da noite emana o mal.
Eu vi, perto do templo atlético do Progresso,
A trabalhar sozinho, febril como um possesso,
Um homem majestoso, enérgico, viril,
Um rosto divinal como um riso de Abril,
Que resistia ao sono, à força do cansaço
Como resiste à bala uma muralha de aço.
Era um lidar sem fim, era um lidar bem nobre,
E não se lhe importava que acabasse pobre
Com tanto que chegasse, um dia, a concluir
Esse gigante férreo que faz a gente ir,
Em menos de uma hora, de Cádiz a Leão
Com a rapidez do raio rolando na amplidão.
E vinte cinco anos lutando sem cessar.
Esse homem que tem os músculos do mar,
Os nervos de Vanin, a força do querer,
Bradou: — Embora lute, do nada eu hei de erguer
Este colosso ingente e forte como um muro.
Pra isso sacrifício até o meu futuro.
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Fiquei a olhai-o calmo e mudo como a fraga...
E perguntei-lhe o nome:
— Eu sou Rodrigues Braga.
Aquele que lutou por este dogma novo.
— Abrir um horizonte de luz a este povo.
A marcha do Progresso é a senda das auroras.
Quando se ouvir o som, as vozes rugidoras,
Da máquina que encurta a grande imensidade
Que tem a rapidez da eletricidade
E que dá seiva aos órgãos das nações
Na força gigantesca dos membros de leões...
Quando chegar-se a ver as formas monstruosas
Enormemente grandes, ciclópicas, caprichosas
Do Adamastor altivo e forte e vigoroso,
Que nunca tem descanso e nunca tem repouso
Que anda em uns labores ativos, colossais
Que fazem-nos lembrar os crânios geniais,
Que encaminha a marcha para as regiões de além
Sem demorar-se nunca, sem escutar ninguém
Quando sentir-se a orquestra, as mágicas surgem.
Que saem bem do peito das vastas oficinas
Envoltas simplesmente nessas cintilações
Que partem dos brasidos, dos rúbidos carvões,
Que fazem do Escuro um grande mar de luz
Divino como o rosto esplêndido de Jesus...
Então, havemos nós, num êxtase triunfante,
Por entre sensações, alegremente a rir,
Ao fogo que rebrilha gritar: — Avante! Avante!
Que se escancaram as portas vermelhas do Porvir.
Tons Aurorais
À encantadora menina Julieta de Lima Ferreira
Quando te vejo, criança,
Vermelha como o arrebol,
De olhos cor de esperança,
Cabelos da cor do sol!
Brincando alegre, risonha
Com bonequinhas mimosas,
Como quem, dormindo, sonha
Com coisas fantasiosas!...
Eu penso profundamente
Nessa quadra de magia
Em que tu, lírio ridente!
Colhes mil beijos suaves
Como a celeste harmonia
Do canto imenso das aves.
Através do passado
A Arão Ramos
Amigo! Quando lanço a vista penetrante
Por entre as nuvens róseas de uma era esvaecida,
E sinto uma saudade heroica, indefinida
Bater-me o coração — o órgão galopante...
Amigo! Quando à mente as rúbidas lembranças
Me vêm, patenteando aqueles belos dias
Que a gente tem o seio arfando de esperanças
Transpondo os penetrais das mansas alegrias...
Amigo! Quando lembro-me das infantis quimeras
Que no passar roçavam o lago azul das cismas
Em busca de ideais e frescas primaveras...
Sinto dentro do peito um brando misticismo,
Uns saltos vigorosos, soturnos, de aneurismas,
Uma tristeza doce, um são melancolismo!
Fitando-te
Sinto minha alma boiando
Sobre os teus olhos azuis!
Qual froco de arminho, brando
Sinto minha alma boiando;
E como quem está sonhando
Com lírios, canções e luz,
Sinto minha alma boiando
Sobre os teus olhos azuis!
Ella
Ao Dr. Costa Miranda
Eu vi, no mar imenso das cismas azulinas,
De claridões estranhas, passar, iluminada
Uma visão etérea: — de formas peregrinas,
Esplêndida como a noite silente, constelada.
Do seu olhar suave, aveludado e manso
Fugiam filtros doces e bons e magnéticos,
Que me envolviam a alma, inteira, no remanso
Das coisas encantadas, dos ímpetos estéticos!
Cantava!... A sua voz harmônica, febril
De sons avermelhados, profundos, sonorosos
Ia morrer ao longe... a vastidão do anil!...
Depois... perdeu-se além, nas névoas da distância...
Deixou-me o coração em saltos vigorosos...
Sabes ela quem era? — A fugidia infância...
Viagem no azul
A Eufrásio Cunha
Fantasia! Onde me levas
Nas tuas asas douradas?
Olha que o filho das trevas
Tem as vistas acanhadas.
Peço-te: — não voes tanto
Pelas camadas de luz!
Dos meus olhos salta o pranto
Das alegrias azuis!...
— Não temas. As sensações
— Que dei a Goethe, a Camões,
— Eu vou te dar mais além...
— Vês o leito das auroras?...
— Ali... pousa o sol, por horas
— Nós vamos pousar também.
A Balbino de Brito
Como há tanta alegria
Na casinha onde ela mora!
Pela louçã pradaria
Como há tanta alegria!
E que celeste harmonia
Quando vem rompendo a aurora!
Como há tanta alegria
Na casinha onde ela mora!
Linhas cor-de-rosa
Brinquemos, filha, brinquemos
Por esta estrada de amores,
Risos e cantos teremos,
Brinquemos, filha, brinquemos;
Perfumes bons sorveremos
Das mais encantadas flores!...
Brinquemos, filha, brinquemos
Por esta estrada de amores.
Alerta!
A Santos Lostada
Alerta! meu amigo! — E vamos batalhar
À luz da Ideia Nova: à linha da vanguarda!
O forte alexandrino façamos rebrilhar,
Valentes derrubemos a doida e velha guarda!
Alerta! que já ouço o toque do clarim:
Alegre, tão vermelho como é a alvorada!
E tenho as minhas armas mais brancas que o marfim,
E o pulso inda mais rijo que a folha de uma espada!
Batamos fortemente o velho Romantismo,
Que o século é puramente evolucionismo,
De Hartmann, de Spencer, Zola e Letourneau!
Batamos rijamente os tontos pessimistas,
Que o século é de gigantes, de assombros e conquistas,
E não de Augusto Comte, Chateaubriand ou Hugo!
Último pedido
Já que me negaste, Amélia,
Um olhar, uma esperança,
Dá-me ao menos, por lembrança,
Essa bonita camélia
Que levas presa na trança.
O Bem
A Teotônio Nunes
És claro como a luz, ó límpido ideal!
Nos braços musculosos, enormes e atléticos
Suster sabes no alto os vultos esqueléticos
Batidos pela fome — o hórrido chacal.
Tens a suavidade de um seio maternal!
E domas tenazmente os monstros epiléticos
Que querem que do lar, os gozos bons, estéticos
Se afastem para sempre, à rude voz do Mal.
Tu cantas dentro em nós elétricas canções!
A tua voz sibila à rubra luz do dia
Como no Saara os urros, frenéticos, dos leões!
Ó Bem! tu vences sempre as lutas de agonia!
Tu és o filtro brando dos grandes corações,
Inclino-me convicto à tua idolatria.
À noite
A Izidoro Leveque
A lua derrama a flux
Pelas campinas em flor,
Um cataclismo de luz
De extraordinário palor!
Gotas enormes de pranto
Rolam sutis das alturas:
É o orvalho puro e santo
Que dá vigor às verduras.
As flores brancas da noite
Vão ledas desabrochando
Da brisa ao suave açoite.
E pelas matas soturnas
Passa, agoureiro, gritando
Um bando de aves noturnas.
Suavidades
Um teu olhar, um só, ó meiga Dulcineia,
Me embala, me adormece em loira fantasia!
E como me arrebata a santa melopeia
Da tua voz sonora, esplêndida de harmonia!
E como eu sonho a vida um róseo paraíso,
Onde volitam, em bando, as ilusões douradas,
E como no meu peito eu sinto as revoadas
Das alegrias mansas, à luz de um teu sorriso!
Como tão amplamente a alma me ilumina
De estranha claridão, imensa, cristalina
O sol divino e puro do teu sereno amor!...
Como me faz ter zelos a asa de um desgosto,
Se vem celeremente avassalar-te o rosto
Aveludado e lindo, ó minha casta flor!
Alegre
Como estás hoje ridente
Flor azul dos meus cantares!
Criança linda, inocente,
Como estás hoje ridente!
Até parece que a gente
Vê rir esses teus olhares!...
Como estás hoje ridente
Flor azul dos meus cantares!
Luiza Michel
(No movimento revolucionário da França de 71)
A Cruz e Sousa
Indômita, terrível, enérgica, alucinada
Marchava na vanguarda dos ultrarradicais,
E ia a petroleira fanática, desvairada
Por entre a funda orquestra dos gritos e dos ais!
Era a imagem rubra da deusa da loucura
Infrene, destemida, pisando sobre espadas!
Tinha o olhar da hiena numa caverna escura,
Era o Satã de Milton à luz das barricadas!
Nas mãos rijas, possantes, a férrea carabina,
Ela brandia intrépida, ciclópica, leonina
Gigante dos combates na fúria do vencer!...
No peito tinha espasmos titânicos!... e os ódios
Saltavam quais pelouros nos negros episódios,
Uivando contra o cetro ferrenho do Poder!
Lá...
Vamos fazer nosso ninho
Naquelas plagas azuis,
Onde canta o passarinho
Vamos fazer nosso ninho,
É de rosas o caminho
E tem canções e tem luz!
Vamos fazer nosso ninho
Naquelas plagas azuis.
Os meus desejos
Voam, revoam, cantando,
Sobre os teus olhos gentis,
Os meus desejos, em bando,
Voam, revoam, cantando;
E tu, flor, triste, cismando,
Nem sentes que eles, sutis,
Voam, revoam, cantando,
Sobre os teus olhos gentis.
O fim do serão
A João Corcoroca
Era noite. Uma velhinha
Fiava para uma teia,
Ao lado sua netinha
Cozia à luz da candeia.
Braz e Antero, os diletos
Irmãos da boa Maria,
Ouviam pasmos, quietos
Um conto de bruxaria.
Nisso lá fora o trovão
Estronda, acordando o cão...
Ouve-se o vento zunir...
Correm todos apressados
E vão atemorizados
Para as alcovas dormir.
!
No álbum de Manoel Biguibi, por baixo do retrato de C. de Abreu
Ao contemplar o teu busto,
O bardo do sentimento,
Que morreste qual arbusto
Ao sopro do horrível vento;
Ao contemplar a grandeza
Do teu crânio de vulcão,
Deixo-te esta singeleza:
— Um ponto de exclamação!
A tua rabeca
A Vicente Cernicchiaro
Perfeitamente exprime as brancas harmonias
Das noites de Veneza — as noites do luar,
Quando a italiana em loiras fantasias
Sobre o balcão reclina-se em lânguido cismar.
Perfeitamente exprime as grandes agonias
Que vão em turbilhões nas almas a penas,
E sente dentro em si essas paixões sombrias
Que tem os vagalhões, ciclópicos, do mar!
Perfeitamente imita o rude temporal
Quando braceja indômito pelo infinito afora!...
O tétrico gemer da voz do vendaval!...
E, olhando-a amplamente, no arfar da sensação,
Exclamo: — Esta rabeca esplêndida, sonora
Tem nervos e artérias, tem alma e coração!...
A tua mão
Quero esconder entre as minhas
A tua mimosa mão,
Furtando-a às vistas mesquinhas
Quero esconder entre as minhas;
Depois encher as covinhas
Com coisas do coração!...
Quero esconder entre as minhas
A tua mimosa mão!
Flor azul
No Álbum da Exmª. Dª. Amélia Taulois
Esta mimosa flor, cândida, aveludada
Nascida ao esplendor da vossa formosura,
Onde há uns tons olímpicos e brandos, de frescura
Como o etéreo olhar de uma mulher amara;
Esta flor ideal, aérea e perfumada,
Que abriu as suas pétalas tão cheias de doçura
Dentro do peito meu, ó linda criatura!
E que tem a limpidez divina da alvorada;
Que cresce enormemente de dia para dia,
À luz do vosso olhar cerúleo, lampejante
Como cresce no prado, ao sol, uma alegria;
E que brotou de chofre num divinal instante;
É — a flor azul e boa da minha simpatia,
O cáctus rescendente e puro do Levante.
À Nicota
Sinto-me alegre, criança,
À luz dos olhinhos teus!
A transbordar de esperança
Sinto-me alegre, criança.
Como a tua loira trança,
São loiros os destinos meus!...
Sinto-me alegre, criança,
À luz dos olhinhos teus!
No Cemitério
À memória de meu irmãozinho Terêncio Várzea
Quando eu fui procurar aquela sepultura
Que o teu corpinho encerra, ó lírio magoado!
Que foste, inda na quadra esplêndida da ventura,
Pela rudez da morte, hiênica, levado;
Quando eu deixei cair as lágrimas saudosas
Vibradas pela força intensa da agonia,
Sobre essa terra dura, extremamente fria,
Coberta de junquilhos, de cravos e de rosas;
Quando cismava triste à luz crepuscular
Nas tuas frases doces, suaves e divinas,
Nos teus olhinhos meigos, no teu fantasiar;
Senti que as flores todas, num tétrico lirismo,
Como que murmuravam!... ó mélicas surdinas!...
E pude crer, então, nas leis do Transformismo.
Noturno
Antes que me veja o dia
No portão do teu jardim,
Toma este beijo Maria
Antes que me veja o dia
Dos ninhos salta a alegria...
Vou partir, ó querubim!
Antes que me veja o dia
No portão do teu jardim.
Sombras
Enquanto do Atlântico, por sobre a vaga azul,
Tu vais, pálida virgem, em busca do teu lar,
E deixas estas plagas, formosas, cá do sul
Talvez co’ a alma envolta em nuvens de pesar;
Eu sinto no meu peito roçar profundamente
A asa tristeza elástica, sombria,
A definhar-se aos poucos, sutil, sensivelmente
A magnólia branca, esplêndida, d’ alegria!
Azulejos
No álbum da menina Olga
O colibri doidejante
Das veigas puras do lar,
Tens as cores do Levante
Ó colibri doidejante,
Quando o sol vem flamejante
Dourando as grimpas do ar!...
Ó colibri doidejante
Das veigas puras do lar.
Brinca a luz de uma alvorada
Nos teus ideais olhinhos!
Como falena dourada
Brinca a luz de uma alvorada.
E, num bando, em revoada,
Te envolvem meigos carinhos!
Brinca a luz de uma alvorada
Nos teus ideais olhinhos!
És um misto de candura
E coisas fantasiosas!
Radiosa criatura,
És um misto de candura!
Do teu rosto na brancura
Há flores misteriosas!
És um misto de candura
E coisas fantasiosas!
No tronco
A Lopes Júnior
Num tronco de madeira aspérrimo, farpado,
Eu vi o negro escravo com cordas amarrado;
E um medonho homem feroz como uma hiena,
Cortá-lo de vergalho, sem compaixão, sem pena!
De sangue rubras gotas ensopam todo o chão,
É um Caim matando a látego seu irmão;
É uma besta fera, ao leopardo igual,
Em vez de coração, tem um abutre — o Mal.
E dá-lhe, e se amiúdam os golpes cruciantes...
Nos olhos do cativo colares de brilhantes,
Em fios vem rolando!... Ó pranto de Jesus!...
O Sol vai no poente vermelho descambando...
A noite lá do Azul tristonha vem tombando...
Na lâmpada da alma extingue-se-lhe a luz!...
Nostalgia
À tarde, quando vem a luz crepuscular,
Entornar-nos no peito uma tristeza etérea,
Tão doce e tão sutil — divinamente aérea,
Repassada de cantos, aromas e luar;
Quando as quimeras voam em bandos cintilantes,
E as notas da nossa alma — as aves da saudade,
Vão por entre as esferas enormes, flamejantes,
A voar, a voar por essa imensidade;
E quando vem a lua — o astro dulçoroso —
Vestir a natureza de um branco luminoso,
Esplêndido, fantástico, angélico, ideal...
Eu choro então por ti, ó pálida Maria,
Ó criança gentil, que te ausentaste um dia,
Levada na atração de um gozo sensual!...
Deixa
Se compreendes, flor,
Quanto te adoro e quero,
E como te venero
Na ardência deste amor;
Se compreendes bem
O que é uma paixão,
Sofrer esse desdém
Que corta o coração.
Deixa que ao teu olhar
Azul, aveludado,
Sentindo o peito arfar,
Eu ande agrilhoado.
Marocas
Como tu vais cantando e rindo pela estrada
Direita e arminosa da tua vida em flor,
Sentindo o coração em cada alvorada
Abrir-se largamente em explosões de amor!
Levas dentro do peito as ilusões serenas
Que tem os róseos sonhos, aéreos, infantis,
Vais vendo florescer as brancas açucenas,
Os musgos e jasmins, as coisas mais gentis.
E tens no teu olhar a mágica atração,
Que tem a dulçorosa e esplêndida claridão
Da lua — o astro olímpico e belo e mavioso!...
E, oh dupla ventura! oh alegria rara!
A mão que a felicidade à vida te depara
Torna-me o meu viver suave e luminoso!
Desejo
Na tua trança aloirada
Quero prender uma flor,
De pét’las cor d’alvorada,
Na tua trança aloirada,
Sim, que a vida, minha amada,
Para mim tem hinos de amor!...
Na tua trança aloirada
Quero prender uma flor.
Tua boca
Meu Deus! como é tão linda
Tua boquinha breve!
Ó bela flor de neve,
Ó cândida Almerinda!
Teteia primorosa,
Boca de querubim!
Vermelha como a rosa,
Fresca como o jasmim.
Sonho que às vezes beijo
Esse vasinho ideal,
E, na ardência de um desejo,
Quero sorver, é bem
Ó lírio virginal,
O mel que ele contém!...
A terra da luz
A João Lopes Ferreira Filho
São livres os escravos! quero empunhar a lira!
Quero que esta alma ardente um canto audaz desfira,
Quero enlaçar meus hinos aos murmúrios do vento,
Às harpas das estrelas, ao mar, ao firmamento!...
Castro Alves
Ergueu-se majestoso o sol da liberdade
Nas bandas cor de ouro e rubras do nascente!
E foi o Ceará — o mar da igualdade —
Quem refletiu primeiro a sua luz ardente!
Moderno Prometeu que à culta humanidade
Vira-se dizendo: — “Quebrei férrea corrente
Que ao Cáucaso prendia-me da vil escravidão!...
Agora, quero e posso, na senda do Progresso,
Marchar, doido cometa n’arena da amplidão!...”
E vai assim seguindo as leis do Universo...
E há de ufanamente os muros do Porvir
Indômito escalar, em pura luz imerso.
Eu o vejo embrenhar-se no céu do progredir,
Deixando atrás de si um traço luminoso
Que a turba dos escravos o seio vai abrir!
No peito o coração em êxtase assombroso
Dilata-se largamente a trescalar ventura,
Num amplo palpitar, nuns restos bons de gozo.
No crânio sente choques horríveis, de loucura...
Vertigens sublimadas duplicam-lhe o sentido
Co’a rapidez que a bala estoura uma armadura!
E vai celeremente, o doido foragido,
Para os festins divinos, libérrimos das nações,
A desprender auroras da fímbria do vestido!
Caminha!... É toda a estrada um mar de corações!...
E cai do Firmamento de estrelas um chuveiro
Que envolvem-no de luzes em loiras explosões!
Caminha!... É a partícula do solo brasileiro,
Que na cruzada enorme chamada — Abolição
Tem colossos que extinguem o negro cativeiro!...
E segue!... E tem por guia o facho da verdade;
Seus filhos são mais livres que os ventos cá do sul,
Seus crânios são banhados de rubra claridade.
Na sua fronte heroica, serena como o Azul,
Vê-se uma c’roa linda feita de coisas mansas,
De rosas e de arminhos, de risos de crianças!...
E marcha por entre nuvens d’esplêndida magia!
Não há um ponto negro... refundem-se alvoradas
Por sobre azuis esferas, em prantos de alegria!...
E vai sedento sempre de altíssimas conquistas;
Encontra Homeros cegos e os imerge em luz,
Divinamente abrindo as suas murchas vistas!
E trilha sempre a estrada das coisas encantadas,
Levando sobre o peito um livro feito cruz,
Onde s’encontram páginas escuras e douradas!
É a Eneida santa escrita pela Sorte
Com a tinta dos negrumes, co’a tinta das manhãs,
No âmbito de sua alma extremamente forte.
Caminha!... E vai jogando em lavas de granito
Dilúvios dessa luz chamada — liberdade
Que vai bater de chofre às fibras do Infinito!...
...
Que fato mais altivo, que fato mais titânico,
Dizer-se para o mundo: — “Sou livre!... vou seguir,
Ó Pátria me acompanha no caminhar atlântico
Que eu vou pegar com as mãos os astros do Porvir!...”
Guilherme de Azevedo
Ele tinha na verve enorme, cor de rosa
Uns tons alegres, vivos, de límpida frescura;
E cada estrofe sua, altiva, luminosa.
Exata e corretíssima era uma arquitetura.
E nas radiações elétricas, douradas,
Do nítido, heineano estilo de gigante,
Havia o esplendor das grandes alvoradas
Que banham de vermelho as bandas do Levante.
Seu crânio escultural, pujante, iluminado,
Por dentro todo azul e todo constelado
Assim como o infinito; seu crânio genial,
Que produzia assombros e coisas resplendentes,
— Era um crânio que tinha cintilações ardentes,
— Era um crânio queimado aos fogos do Ideal!...
Paisagem azul
O lago é vasto e manso, é azulado e lindo...
Nas margens surgem flores e cândidas verduras.
Mil aves iriadas por entre as espessuras
Improvisam um scherzo harmonioso, infindo!...
A luz em vagalhões de límpidos fulgores
O píncaro da serra alegre vem dourando!
Gaivotas mansas, brancas, em círculos, voando,
Enfeitam a região enorme dos condores.
À flor das águas voga esplêndida, gentil
A gôndola cor de rosa, o barco dos amores,
Levado pela aragem de uma manhã de Abril!...
Na popa a minha amada, a doce criatura,
Das cismas azulinas, dos mágicos albores,
Assoma, iluminada e cheia de candura!...
Ao largo!
Por estas ondas a fora,
No nosso batel de amores,
Voemos, criança, agora,
Por estas ondas afora!
Bem vês, aparece a aurora...
Busquemos ninhos e flores...
Por estas ondas afora,
No nosso batel de amores.
Versos à...
Ó pérola divina, ó flor azul das salas,
Mais pura do que um astro, mais bela do que Palas,
Prendeste-me aos teus olhos, ao lábio purpurino.
Ao teu sorrir honesto, ao seio alabastrino,
Ao teu falar etéreo, ao teu falar suave,
Como numa gaiola se prende canora ave!
Tu és a minha vida e és o meu amor:
À luz dum teu olhar eu vivo como a flor
Que vive à luz do sol, altiva sobre o galho,
Esperando que à noite as gotas do orvalho
Venham lhe dar frescura e sensações sutis,
Como lhe dão os beijos dos louros colibris!
Com a chave de um olhar cerúleo, lampejante
Tu abres o meu peito, e deixas num instante
Precipitar-se nele, nervosos, magnéticos
Uns êxtases sublimes, aurorais, estéticos,
Que dão-me um gozo infindo, ardente, de paixão,
No amplo flamejar da luz do coração!
Porém... se algum dia, tiveres, por meu mal,
De erguer contra o meu peito a folha do punhal
Enorme da traição, ou mesmo do sarcasmo,
Para despedaçares o grande entusiasmo
Que sinto dentro da alma efervescer por ti,
Ó minha doce amada, ó níveo bogari;
Deixa que ao menos farte-me nas vibrações de luz
Desses teus olhos grandes; sublimemente azuis!...
Triste
Como em teu rosto sereno,
Nessa serena brancura,
Se vê aquela tristura
Dos olhos do Nazareno!
Parece que a limpidez
Sublime do teu olhar,
Veste sombrio pesar,
Branca flor de candidez!
E como eu fico cismando
Na mágoa que te tortura
Quando te vejo chorando!
Ou quando a desesperança
Traz-te assim na desventura,
Minha formosa criança!
No álbum
De minha Irmã Aurélia Várzea
Ó minha meiga irmã, ó pérola d’Ofir,
Ó colibri dourado das minhas afeições!
Eu sinto no meu peito a flor da alma se abrir
De um teu sorriso rubro às grandes claridões!
E folheando o livro — o álbum perfumoso —
Que me acabais de dar, alegremente, assim...
Procuro nesta página, olhando-a, afetuoso,
Deixar-te um meu escrito, ó louro querubim!
Porém, na mudez fria, imensa, do embaraço,
A contemplar, cismando, as amplidões do Espaço
Com a mente a revolver-se-me no azul das fantasias,
Debalde intento e quero, em linhas cor-de-rosas,
Gravar, ó meu amor, mil frases sonorosas,
’Strofes só de beijos e brancas harmonias!...
Cintilações
Como são belos os dias
Da tua branca existência!
Quantos beijos! Que harmonias!
Como são belos os dias!
Que de loiras alegrias
Tens na tua florescência!...
Como são belos os dias
Da tua branca existência!
Ao ver-te de novo
A M. D.
Do tempo que te amei, ó mansa criatura,
Das cismas ideais, das loiras fantasias,
Quando sentia o peito saltando de ventura
E o coração boiando em ondas de harmonias;
Dos teus sorrisos doces, feitos só de alvorada,
Que me criavam na alma uns sonhos cristalinos,
Eu tenho ainda saudade, ó flor idolatrada,
Que me trazias preso aos lábios purpurinos!...
Depois de tanto tempo... ao ver o teu semblante,
Tão cheio de magia, esbelto, fascinante
Como uma magnólia enorme, resplendente,
Eu fico a contemplá-lo num êxtase patético,
E sinto um eflúvio doce e bom e magnético
E uma alegria estranha, indômita, fremente!...
Teus anos
A João Praxedes
Como auroras boreais
Enormes e vermelhantes
Das zonas setentrionais
Lá nas geleiras gigantes,
Espalhando cambiantes
Elétricas e matinais
Borboletas doudejantes
Que espelham em mil cristais;
Como os sorrisos da esposa
Que nos dão crenças infindas;
Como as pétalas duma rosa;
Assim são esses arcanos,
Essas primaveras lindas:
— Teus rubros dezoito anos!
Sons
No álbum da Exmª. Srª. Dª. Constança D’Arnizaut
A voz, a quem dedico uma afeição sadia,
Pura como um sorriso esplêndido, infantil,
E que trazeis no olhar uns tons de simpatia
Doces como os eflúvios de uma manhã d’Abril;
A voz, Dª. Constança, que tendes, no falar,
Umas coisas ideais, tão mansas, tão divinas,
Que fazem-nos lembrar os cantos ao luar,
Os sonhos de criança, as flores purpurinas;
Deixo, sobre esta página, umas escuras linhas,
Sem poesia e nexo, e sem inspiração,
E que, como no inverno as pobres andorinhas,
Precisam de um abrigo em vosso coração.
Pela estrada da vida
Como vais alegremente
Por este caminho a fora!
Florzinha resplandecente,
Como vais alegremente!
Em cada manhã nitente
Tu tens mil beijos da aurora!...
Como vais alegremente
Por este caminho a fora!
Simplicidade
Sou rapariga modesta:
E amo de coração
A um rapaz — o João
Que esteve aqui pela festa.
Não sou das moças mais feias,
E tenho um ar engraçado,
Ando de xale encarnado
E de tamancos sem meias.
Gosto dum laço de fita.
Dedilho bem na viola.
Sei dançar a Chama-Rita.
Tenho um defeito... Quer ver?
E isto me desconsola,
É não saber ainda ler.
Lampejos
Depois que te vi, criança,
Sinto no peito um clarim!
Vivo ébrio d’esperança
Depois que te vi, criança!
E guardo como lembrança
De ti, aquele jasmim...
Depois que te vi, criança,
Sinto no peito um clarim!
Urgente
Ao Clube Abolicionista
É preciso fazer um esforço de gigante!
A vontade tornar como couraça d’aço,
E ter dentro do peito a alma flamejante,
Como um astro seguro às amplidões do Espaço!...
É preciso invadir o escuro das senzalas,
Com um archote d’estrelas metido em cada mão,
Iluminá-las todas como brilhantes salas,
E fazer do cativo um livre nosso irmão!...
É preciso lutar, lutar heroicamente,
Assim como quem luta c’um monstro ou uma serpente
Em um lugar escuro, à beira duma estrada;
E depois sacudir os jorros luminosos,
Da luz da liberdade, aos párias sequiosos,
Em espadanações alegres, de alvorada.
Força equilibrante
A Ti
Como o luar bate em cheio,
Na superfície do mar,
Assim bate no teu seio
O meu doudo imaginar.
Como a ponta de uma seta
Traspassa uma ave no ar...
Assim me fere a baioneta
Aguda, de teu olhar!
Abolicionismo
A Bernardino Varela
Assim! É entornar em borbotões azuis
Por dentro das senzalas as filtrações do Bem;
Encher as almas negras de frêmitos de luz,
Jogar as esperanças, em bando, para além!
Assim! É atirar aos míseros cativos,
A mansidão suave dos gozos luminosos,
E ter no coração os êxtases explosivos
Que sacodem os peitos alegres, sonorosos.
Assim! É trabalhar, ó rijos bandeirantes,
É formar o Futuro das forças do Presente,
E lutar, e lutar assim como gigantes!
É só por um trabalho molecular, paciente,
Que a Natureza forma os mundos flamejantes
E o psiquismo humano indômito, potente!
As três irmãs
Na folha de um álbum
Ritinha
Dª. Ritinha, a senhora
É linda, boa e galante;
Seu corpo é feito d’aurora,
Sua alma dum diamante!
Amália
Há um quê, uma expressão,
Nos seus olhinhos azuis,
Que a gente pensa que são
Dois grandes mundos de luz.
Perpétua
É ainda um liriozinho
Rescendente, angelical,
Que cresce à luz do carinho
Suave, bom, paternal.
Festim vermelho
Ao Dr. Remédios Monteiro
Douraram-se de súbito os largos horizontes,
Iluminou-se a terra. O sol por sobre os montes
Sacode raios de ouro esplêndidos, suaves,
Como beijos de mãe e cânticos de aves.
A aurora desprendeu as suas loiras tranças,
Juvenilmente a rir-se assim como as crianças.
A intensa claridão da fresca luz do dia,
Mergulha-nos a alma num banho d’alegria.
A luz tem eflúvios bons, elétricos, sutis,
Ela é feita de risos, de graças juvenis,
De beijos ideais, alegres, triunfantes
E de canções de amor e coisas cintilantes.
Ela faz desabrochar as purpurinas rosas
E rescender com força as árvores vigorosas.
Faz voar pelo Azul as andorinhas mansas
E brotar-nos no peito as verdes esperanças.
É um fluido tão doce e bom e tão perfeito
Que o coração nos traz aberto e satisfeito.
A luz tem uma atração magnética, sutil
E entorna-nos na alma as fresquidões d’Abril.
Atira-se no ar um rumor infinito
Como o tombar fatal de um aerólito.
Inundações de sons ondeiam pelo Espaço
Clarínicas, sonoras, como as canções do Tasso.
É toda a Fortaleza uma explosão de luz
Co’umas salpicações olímpicas, azuis!
Alastra o horizonte um fulvo cataclismo.
Rebenta a terra em flores. E sai do escuro abismo
Medonho, asfixiante da vil escravidão
Uma porção de gente negra como o carvão,
Que traz nos lábios secos um riso d’ironia
E n’alma uma paixão feroz, doida, sombria,
E que ao sentir banhar-lhe aquela claridão
Primaveril e santa da luz da Redenção,
Tem êxtases divinos e treme num desmaio,
Como treme no Azul o fuzilar do raio.
E cresce e vem surgindo aquela turba escura
Que nunca conheceu os estos de ventura.
Vem saindo da treva exausta e dolorida,
Silenciosa e triste, cansada já da vida,
Mirrada pelos golpes terríveis do vergalho
E pelo excesso indômito e forte do trabalho.
Mas, ao ver na amplidão cintilações brilhantes,
Fulgindo como o sol e como os diamantes,
Movimentar-se o povo, em grandes borbotões,
Entregue ao vasto arfar das loiras sensações,
Lançar-se para ele em gritos colossais
Dizendo: — Já sois livres, já sois nossos iguais;
Ela sente-se agitada e sente-se convulsa,
Enquanto de alegria o coração lhe pulsa.
A quermesse prossegue. Orquestras de metal
Impelem para o céu um hino marcial.
Tumultua a cidade — um mar de risos bons
Cheio de madrigais e de irradiações!
A grande voz do povo, a rija voz de aço,
Harmoniza a limpidez, esplêndida, do Espaço.
E a lua, a alvura doce, a roda de marfim,
Vem banhar de esplendor o resto do festim.
Doente
Ao ver a palidez marmórea do teu rosto
Outrora avermelhado, ó lírio de candura,
E hoje envolto só em nuvens de desgosto,
De medos bem cruéis, d’angélica tristura;
Ao ver perfeitamente a vida tormentosa
Que vais atravessando, à míngua duns amores;
Ao ver que a mão terrível da sorte caprichosa
Te guia para o abismo escuro dos horrores;
Ao ver-te assim doente, a tez enevoada,
Extremamente fraca e triste e cismadora,
Num mar de conjecturas, medonho, mergulhada;
Não cesso de pedir a Deus, ardentemente,
Para que a alegria te volte em cada aurora
Nas asas de um sorriso, infindo, resplendente!...
Fulgores
Sinto o peito iluminado
De um luar fresco e divino,
E penso no meu destino
Quando me vejo a teu lado.
E à doce limpidez
Dos teus olhinhos azuis,
Cheios de graça e de luz,
Lampejações, candidez;
Sonho com lírios, esp’ranças,
Canções e beijos sutis,
Que me lembram as pombas mansas,
Os ninhos dos colibris!...